Vittorio Medioli

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Desvendando a eleição ( 2ª parte)

Publicado em: Dom, 09/11/14 - 03h00

O PT acumula quatro vitórias presidenciais seguidas. Um recorde. O PSDB também conseguiu seu recorde acumulando quatro derrotas e sem ainda entender (superar) sua incapacidade de se apresentar no Brasil acima do paralelo 19º (aquele que corta Minas Gerais de leste ao oeste), como uma solução confiável.

Um empresário revoltado com a vitória de Dilma me disse: “Quem perdeu não é Aécio, sou eu que perdi, eu que pago salários, impostos, e trabalho de sol a sol assistindo a um impiedoso espetáculo de escândalos e incompetência...” É um dos 48,3% que queriam a mudança no Brasil e teve que engolir a continuidade decretada pelas urnas.

Ele, que produz e faz com que o país funcione, se sente derrotado, diz que Aécio afinal se consagrou como estrela, poderá dar palestras e receber diplomas “Honoris Causa” pelo mundo afora, mas ele, empresário, acabou jogando a toalha, entrou com pedido de liquidação e vai morar num país qualquer levando a família. Descascou que não tem como suportar a competição com produtos de países competitivos e ainda enfrentar uma burocracia “tacanha” e “corrupta”.

Como ele, há mais que querem mudança, que querem alternativas, e um projeto sustentável para um país que tem um em cada quatro habitantes incluído no Bolsa Família.

Pois é, finalizei a primeira parte de minha análise eleitoral, publicada na semana passada, deixando insatisfeitos tucanos e petistas “engajados”, me lixo deles, fico satisfeito com quem a considerou lúcida e reveladora. Desmistificando arranjos e espertezas.

Sintetizei, entre os vários motivos da vitória de Dilma, os “erros monumentais de um PSDB incorrigível” nos redutos atingidos pelos programas de redistribuição de renda. Se existem, precisam ser levados a sério. Mas o PSDB exige desses redutos que entendam o “grego” que na vida não tiveram oportunidade de aprender. Falam para o miserável como falam num discurso de Academia de Letras. Óbvio, nunca serão compreendidos, aceitos e apreciados.

Não tiro também do contexto eleitoral a existência de outras razões, de méritos pessoais, regionais e partidários, do excelente desempenho nos debates de Aécio, de sua oratória e de seu carisma. Entretanto, foram insuficientes para alcançar o objetivo. Faltou pouco, mas uma guerra ou se ganha, ou se perde, em eleições não tem empate.

Errar é humano, perseverar, “diabolicum”, diziam do púlpito os oradores romanos, e o PSDB é um partido de “diabolicum” repetindo os mesmos erros. O empresário que me decidiu fechar as portas confessou ter votado quatro vezes no PSDB, e nunca mais vai pela “falta de projeto partidário para a nação”.

Por quê? É um partido que, para encontrar o acordo “entre muros”, se digladia, escolhe enfim um candidato que sangra como o touro na arena, presa fácil da estocada do toureiro “petista”.

Serra sangrou, Alckmim sangrou, e Aécio também, esse último menos que os outros, mas perdeu seu tempo para atingir um consenso. E nunca foi poupado aqui, em Minas, de críticas abertas de seus “companheiros”. Até editoriais demolindo Serra saíram em mídia que verbaliza o pensamento tucano de Minas.

Aécio recusou-se a ser vice de Serra e foi respondido com a mesma moeda. Aloysio Nunes não é certamente Serra em termos de popularidade, é uma opção de “faz de conta”. Mas São Paulo deu a Aécio o que Minas nunca deu a um tucano paulista.

O eleitor a cada eleição tem que “conhecer” um candidato diferente. Isso faz perder tempo e votos. Lula ensina que, depois de três tentativas seguidas, era mais conhecido que o papa e, corrigindo seus modos e tropeços de uma eleição para outra, acumulou o que precisava. O PSDB recomeça do zero a cada campanha por uma tendência incorrigível ao personalismo. No PSDB sabe-se disso, mas finge-se de não saber.

As eleições de alguns anos para cá deixaram de ter embate ideológico, são enfrentamentos pelo poder, o debate é sobre o tamanho dos escândalos, e rodam sobre a demolição do adversário, sem proposta de mudança real, sem diminuição de gastos inúteis, de projetos absurdos, de desfrute da coisa pública.

Os tucanos mostram que não confiam que a vitória de um deles se transforme em vitória de todos eles. Os petistas, por sua vez, acreditam e se unem seja quem for o candidato. Enfiam depois no contribuinte 39 ministérios, 22 mil cargos de apaniguados, loteamento e aparelhamento, mas se unem num pacto de participação nos resultados.

Tucanos não confiam um no outro, serão uns ou outros, e quem não ganhar ficará a chupar picolé de chuchu.

Os erros se repetem por questão genética, entender é coisa árdua. Usando Maquiavel numa frase que colocou na boca de Castruccio Castracani, “se você pode vencer pelo engano, não use a força”. Tucanos se enganam uns aos outros, quem leva a sério promessa de tucano é ingênuo. Quem tem méritos pode ser extirpado. Quase sempre se prefere um sucessor identificado de pouco brilho, que preencha sua temporada e não encha o saco.

Quem sobressai é marginalizado com métodos sadopolíticos no espeto sobre brasas.

Na apertada vitória de Dilma, o mérito maior se deu pelos equívocos tucanos de Minas. A cada dia, no pós-eleição, mais roupas sujas vêm a público e sinalizam uma revoada ao primeiro estouro.

Dilma, encurralada por economia, inflação, desemprego, caos na saúde, obras abandonadas, escândalos e suas limitadas capacidades de comunicação, virou o jogo no finalzinho.

Diferentemente de 2002, 2006 e 2010, a maré era adversa a ela com os titulares do time petista na cadeia – esfolados pelo STF –, ainda acuados pelo petróleo jorrando na mídia, soube virar o resultado.

Como, onde e por quê? Os petistas “intelectualizados” tentam explicar os méritos do partido, mas na realidade o PSDB errou o pênalti. Esqueceu-se de falar a língua dos “pobres”, de dar emoção, de visitar as praias povoadas de tubarões no Nordeste e acabou levando uma virada nos cinco minutos. Embora Dilma estivesse no limite da ruptura psicológica e atrapalhada pelo estresse.

O PSDB foi derrotado por quatro vezes, com três candidatos diferentes. As seguidas mudanças de nomes ofuscaram a memória, podem até ter tirado autoridade ao partido, e fazendo perder o fio da meada e o registro dos erros.

Em Minas os coordenadores tucanos escalados por Aécio se justificaram após a derrota atribuindo-a à incapacidade: “o eleitor não soube reconhecer os méritos de Aécio”. O eleitor premia o que entende ser o melhor, e assim Aécio não foi visto e julgado em algumas regiões que fizeram a diferença inesperada.

Derrota em Minas de 80 a 20 nas regiões mais carentes é sinal de “aversão”, não de falta de reconhecimento. Quais as razões? Provavelmente por ter simplificado o que é complexo, tentando igualar o choque em regiões distintas por IDH, renda por habitante, clima, tradições e culturas. Usar a mesma medida, o mesmo “choque” em regiões de baixíssima renda e outra com quatro a cinco vezes mais riquezas não deu certo, gerou um clima de incompreensão aversiva.

Na região Norte de Minas se deu o resultado pior de todo o Brasil para o PSDB, acompanhou o Maranhão.

Com 1,5 milhão de votos em Minas – começou com 3 milhões de frente, até perder de 400 mil – seria presidente.

Uma diferença tão grande, uma mudança tão radical durante o processo eleitoral, indica algum erro grave ocorrido dentro de casa.

(Continuarei na próxima semana)