Vittorio Medioli

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Eleição temerária

Publicado em: Dom, 20/09/20 - 03h00

A decisão do Congresso Nacional de manter as eleições municipais em 2020, em plena pandemia, sem conhecer o prazo e a intensidade que iria tomar a Covid-19 no país, é um indício de que a preocupação com o cidadão ficou atrás dos interesses surdos e inconfessáveis que uniram a maioria dos partidos nessa temeridade

Embora o adiamento das eleições, por lógica e precaução, fosse subordinado à evolução, ainda imprevisível, da pandemia, já em junho, bem antes do pico de óbitos ocorrido na primeira quinzena de agosto, estabeleceu-se a data de 15 de novembro para convocar às urnas 147,9 milhões de eleitores. Pior: entre as medidas, soltaram-se nas ruas 16 mil candidatos a prefeito e 500 mil aspirantes a vereador.

Num país que tem a educação como dever essencial do Estado, com alcance humano incalculável, determinou-se a suspensão “sine die” e definição exatamente pela imprevisibilidade da própria pandemia.

As campanhas eleitorais movimentam, nestes dias, milhões de pessoas. Como ocupantes de casa de marimbondos espancada, num “vale tudo, menos perder”, muitos candidatos agem como se a pandemia tivesse acabado. Não se importam com as normas de biossegurança num momento que apresenta graves riscos.

O que custaria deixar a data subordinada aos índices de evolução e ao parecer de uma comissão que avaliasse a evolução do contágio? Absolutamente nada. Além da data, deveriam assumir a responsabilidade de limitações às ações, isso em conformidade com a gravidade do momento.

Deu-se mais atenção ao valor bilionário do Fundo Partidário do que à preservação da saúde da população.

A Lava Jato mostrou que as obras públicas eram escolhidas, mais que pelo verdadeiro interesse da população, pelo interesse dominante de enriquecer bandidos. Disso se construíram estádios faraônicos por um só jogo, e ainda se construíram quatro estádios bilionários a mais que o necessário.

Com isso, mais estádios e menos metrô, menos educação, menos saúde. A escolha de manter as eleições segue a lógica dos “estádios da Copa”, com o Fundo Eleitoral sendo a tentação. Com ele, os congressistas, em larga escala, sentados em seus mandatos, podem direcionar os rumos de mais de 5.500 eleições municipais e pavimentar o pleito de 2022.

O frenesi notado nas convenções partidárias, realizadas, em mais da metade dos casos, presencialmente, já mostrou o que acontecerá até 15 de novembro.

O desrespeito às normas de distanciamento e de uso de itens de biossegurança e, em alguns casos, um show de irresponsabilidades marcarão o período eleitoral.

A sensação de que a pandemia acabou e podemos voltar ao normal é falsa. A intensidade de contágio tem variações enormes ainda e deixa um alarme tocando em quem ainda se comportou “bem”. Vamos aos números: o painel geral da Covid-19 Brasil de ontem mostra que a incidência de óbitos é muito variada.

Ficando na região Sudeste, nota-se que no Estado do Rio de Janeiro contaram-se 102 óbitos por 100 mil habitantes; no Espírito Santo, 85; em São Paulo, 75; e em Minas, apenas 31. Quer dizer que o risco de Minas subir ao nível do vizinho Estado do Rio é real, e apenas ao lado. Até chegar a vacina, qualquer evento que não seja imprescindível deve, responsavelmente, ser adiado.

Embora a sensação seja de superação em Minas (e outros Estados), a Covid-19 existe e ataca. É preciso manter o alerta máximo, já que o potencial estatístico apresenta um risco real de 71 mortes por 100 mil habitantes. Isso são mais 14.560 perdas, além das 6.574 registradas no Estado até ontem.

Uma campanha eleitoral é um convite à transgressão. Muitos candidatos em suas frenéticas atividades (meio milhão à caça de votos e 8 milhões mobilizados com o mesmo fim) deixam prever uma tragédia, ainda pior que aquela vivenciada até hoje, com 136 mil mortos.

O que fazer para evitar um extermínio? Caso o TSE não encontre a coragem de suspender o processo eleitoral e levá-lo para uma praia segura, deverá ditar normas, restrições, penalidades e até perda de mandato para garantir que a campanha eleitoral se realize com responsabilidade. O Brasil já chorou demasiadas perdas.

Uma eleição pode esperar e não pode ser motivo de um extermínio de inocentes.