Vittorio Medioli

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Minas em frangalhos

Publicado em: Dom, 13/01/19 - 03h30

Os primeiros dias do governo Romeu Zema em Minas Gerais, o Estado mais quebrado e maltratado da República, foram o batismo de um empresário de sucesso, relativamente jovem, na administração pública. O primeiro que chega à vitória sem ser apadrinhado por forças tradicionais.

Gerou e continua gerando uma grande expectativa de moralização da coisa pública mineira, devastada por dívidas insustentáveis. O Novo, partido de Zema, adota os princípios do liberalismo e do Estado mínimo, algo que em Minas o levou ao sucesso. E, provavelmente, continuaria no ostracismo não fossem os fracassos e a consequente rejeição acumulada pelo PT e PSDB, carimbados como “velhos”.

Em Minas prevaleceu a vontade de mudança. Zema mereceu a vitória pela sua ousadia, humildade e até pelo jeito “comum” que cativou o eleitor.

O novo governador brilha e cheira como carro novo. Deu largada usando a primeira marcha, mas deixando no ar um ronco esquisito. Levanta apreensão. O período de transição passou em reclamações de obstrução, mas teve pouca análise de informações que o Tribunal de Contas do Estado disponibiliza a qualquer cidadão sem sair de casa.

Quem coordenou a transição de Zema não participa agora do governo, bem na hora da largada viajou para o exterior e voltará à Câmara de Vereadores de BH com a “missão cumprida”. Assusta essa inovação.

Nem tudo que aconteceu é para jogar fora, o arroz e feijão continuam sendo essenciais na mesa e na política.

Quem torce para o melhor deve apontar alguns equívocos graves que estão acontecendo, e isso não é gesto hostil, mas de ajuda.

Estuda-se nos cursos de filosofia do direito que, enquanto ao cidadão tudo é permitido desde que não proibido em lei, a um governante e seus “servidores públicos” só é permitido o que está determinado. Uma diferença abismal que requer a cada passo o conhecimento e respeito de inúmeras restrições no uso dos bens públicos.

O discurso do Partido Novo, empolgante em alguns pontos, deixava clara a sua difícil exequibilidade, que Anastasia criticava duramente. O orçamento de um ente público, como o Estado, é determinado em lei específica e vinculante aprovada pela Assembleia. O governante tem uma enormidade de deveres e limitações para deixar “a bola na rede”. Os caminhos “públicos” são estreitos e insidiosos, ao contrário dos privados, que voam apenas esquivando-se de montanhas.

A comunicação do governo deve lembrar e saber disso, pode e deve usar as redes sociais na forma conveniente a um governo, esquecendo o candidato. Trata-se de dar transparência aos atos, e não de guerrilhar indiscriminadamente com as críticas, especialmente quando justas. Não é a versão, mas o resultado que conta.

É fundamental respeitar a Constituição.

O governo federal ampara os Estados e municípios, os Estados amparam os municípios. Os impostos da União se destinam em cotas legais aos Estados e municípios, e parte da arrecadação dos Estados pertence aos municípios. É inconcebível o desrespeito dessas transferências previstas para serem automáticas e parte de orçamento de outros entes autônomos com deveres a cumprir. O não repasse destrói o orçamento dos municípios, inviabiliza o pagamento de salários e o atendimento à saúde básica, à educação fundamental, atingindo de regra os mais necessitados. É uma atitude deplorável, injustificável e ilegal em todos seus aspectos e que desestrutura a vida de milhões de pessoas.

Em Minas se rasgou a Constituição a partir do momento em que o governador anterior a Zema recorreu a essa atitude injustificável. Pimentel driblou as consequências no último ano do seu mandato, conseguiu evitar a votação de um pedido de cassação na Assembleia. Em seguida, derrotado nas urnas, determinou o não repasse de 50% dos valores de direito das prefeituras por três meses seguidos, aniquilando as finanças de municípios. Diga-se, foi o único Estado da Federação que recorreu a esse absurdo.

Entrando um novo governo e se perpetuando a prática, evidentemente a equipe de Zema subestimou as consequência legais imprescritíveis que perdurarão “ad aeternum”.

Os 25% do ICMS não são do Estado. Se a decisão de Pimentel não deu tempo de gerar consequências e perda de mandato, Zema tem pela frente quatro anos para responder ao gesto.

Não há lei e consentimento para uma enormidade dessas. Isso é como um cidadão que, por estar passando dificuldades financeiras, assalta o trem pagador e tira os salários dos outros. Nem com a devolução posterior se livrará de condenação, apenas amenizará a pena. A presidente Dilma foi cassada por meras pedaladas, manejando recursos para fechar contas da União.

Minas passou a adotar a lei do mais forte, como no faroeste. Um flagelo social, hediondo na parte que inviabiliza os atendimentos de saúde e gravíssimo para os servidores públicos municipais, como para os estudantes que perderão aulas.