Vittorio Medioli

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O sujo que continua vencendo

Publicado em: Dom, 14/09/14 - 03h30

Um conceito que parece claro para quem faz uma análise das receitas do Estado é aquele da “arrecadação induzida por uma atividade primária”. Quer dizer, aquela atividade que gera empregos, rendas, desencadeia trocas comerciais ao seu redor injetando riquezas e tecnologias no mercado.

Apenas no Brasil, e em Minas, não se oferece a devida atenção ao setor de bioenergias. As facilidades são dadas, paradoxalmente, aos combustíveis poluentes, importados, que em nada colaboram para o bem-estar e o desenvolvimento local. A razão talvez esteja nas revelações do “arrependido” ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Na hora de abastecer o tanque no posto, quando se opta pelo derivado de petróleo trazido de fora do Estado – em Minas não existe extração petrolífera –, se retira de circulação local o valor monetário despendido, enviando-o para outro mercado distante. Aquela nota de dinheiro não vai poder mais comprar pão, cortar cabelos, fazer compras, movimentar o comércio local. Claro? Sim, mas isso é esquecido na hora das decisões governamentais mais importantes que dão rumo à nação.

A gasolina gera um sequestro de valores no Estado e enriquece outro produtor de petróleo. Não existissem alternativas, seria compreensível, entretanto Minas tem condição e potencial para substituir em mais de 100% o consumo de gasolina, adotando biocombustíveis limpos, e, atenção, “geradores de atividade primária”, a mais benfazeja de todas.

A gasolina deixa apenas a emissão de CO² que respiramos no trânsito e aumenta gastos com saúde.

Os governos que se sucedem são incapazes de estancar esse círculo vicioso e perverso que empobrece nossa economia. Minas é o maior consumidor proporcional de gasolina do país. Nos últimos dois anos fecharam oito usinas, e mais quatro fecharão no próximo, pois anunciaram a impossibilidade de renovar canaviais agora.

O paradoxo é tamanho que quem chega de um ambiente mediamente lúcido espanta-se com a lógica perversa tupiniquim. Tudo para ter o melhor, e chutamos o balde cheio de oportunidades. A “incompetentocracia” chega ao seu ápice na política energética nacional.

Quando assistimos ao esplendor de cidades das Arábias, como Doha ou Dubai, que se choca com as lonas pretas dos terrenos invadidos daqui, precisamos entender que aquele luxo se dá com o dinheiro que enviamos pra lá queimando gasolina poluente. Geramos luxo lá acabando com empregos aqui.

A partir do equivocado anúncio de Lula de autossuficiência petrolífera – no carnaval do pré-sal –, passamos a importar gasolina como nunca, a desacelerar a produção de biocombustíveis.
Fosse isso inevitável, poderíamos entender, mas isso é escolha dos governos tupiniquins que penalizam o limpo e dão subsídio ao sujo que vem de fora.

Quando se abastece com etanol produzido em Minas, provocamos um fenômeno bem diferente. Primeiramente se mantêm no Estado os empregos e o valor monetário para circular livremente. A multiplicação de oportunidades e operações internas aumenta a arrecadação pelos governos vesgos.

A nota de dinheiro deixada no posto ao abastecer com etanol continua em Minas para pagar salários e insumos locais. Será uma nota a mais para comprar comida, atender necessidades básicas e até gastos supérfluos. Acelera a economia local. Não vai servir para erguer mais um prédio em Dubai, mas casas que faltam para 4 milhões de famílias.

Vamos às contas singelas. É ponto pacífico que a produção de 100 milhões de litros de etanol gera pelo menos 1.200 empregos diretos para processar 1,2 milhão de toneladas de cana ocupando cerca de 18 mil hectares de lavouras com carreadores e reservas ambientais permanentes.

Os insumos além de sol e chuva, como calcário, gesso, adubos, serviços variados e muito aço, quase tudo se encontra produzido dentro do Estado de Minas.

O IDH nos municípios produtores sofre uma portentosa aceleração, assim como a arrecadação para
Estado e municípios, melhorando a qualidade dos serviços públicos. Junto com o emprego, as usinas aportam tecnologia de ponta, educam e estimulam consciência socioambiental.

Uma produção de 100 milhões de litros de etanol, vendidos por R$ 2 por litro com uma alíquota de ICMS de 12% (hoje em Minas cobram-se 19%, e em São Paulo, que tem seis vezes mais usinas, apenas 12%), gera para o erário de Minas R$ 24 milhões. Os R$ 176 milhões (R$ 200 milhões menos R$ 24 milhões) de renda líquida ficam aqui, e se desencadeiam pelo menos mais três operações de trocas, induzindo uma arrecadação de ICMS de R$ 80 milhões. Mais cerca de R$ 20 milhões em ISS. Os salários encurtarão as filas para recebimento de bolsas e seguro-desemprego.

Abastecendo com gasolina com alíquota de ICMS de 25%, equalizando-se o valor calórico pelo índice de 0,7, chegamos a um consumo equivalente de 70 milhões de litros de gasolina (para substituir 100 milhões de litros de etanol), que, vendidos a R$ 2,80 por litro, provocam receita de R$ 196 milhões. O ICMS sobre gasolina se configura numa operação “una tantum”, que não gera maiores efeitos e transfere o valor para fora do Estado, subtraindo localmente a circulação de moeda sem agregar empregos adicionais de ordem alguma.

Indo à frente e considerando o consumo de 4 bilhões de litros de gasolina a cada ano em Minas, chega-se a uma perda contextualizada de arrecadação de R$ 1,2 bilhão. Para cortar esse nó górdio, é preciso enfrentar efeitos momentâneos de perda de arrecadação perfeitamente compensados por um portentoso aumento em três ou quatro anos, que dariam início a um ciclo virtuoso de desenvolvimento e sustentabilidade.

Ainda precisa-se considerar a cogeração de energia elétrica das usinas com a queima do bagaço, que nos valores de mercado de 2014 projeta mais R$ 600 milhões em ICMS.

Cabe concluir que estamos chutando um potencial imenso de 100 mil empregos em regiões sem oportunidades, e ainda uma arrecadação fabulosa. Tudo para manter uma matriz energética suja, poluente e geradora de corrupção intolerável.