Vittorio Medioli

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Os radicais

Publicado em: Dom, 03/01/21 - 03h00

A palavra “radicalismo” remete a uma forma de intolerância a um ideário oposto, divergente, e se origina de “corte pela raiz”. Subentendem-se atitudes drásticas, excludentes, repressivas, punitivas, disruptivas, revolucionárias. 

Decorrente de situações aparentemente incorrigíveis com o uso da persuasão, o radicalismo surgiu na Revolução Francesa, no século XVIII, em contraposição ao conservadorismo aristocrático. 

Daí em diante influenciou os cenários de todas as grandes transformações dos últimos 230 anos, sem exclusão de sangue e com perdas de toda ordem. 

Radicalismo e revolução mesclam-se, empurram-se, fortalecem-se e costumam extinguir-se ao mesmo tempo nos excessos.   

O radical se arroga a capacidade de construir novas formas de política, governo, administração e comportamento social, prezando a eliminação sumária das fórmulas anteriores. Infelizmente, até os costumes mais despretensiosos acabam sendo reformados. O radicalismo é intrinsecamente absolutista, excludente, vive em guerra com seu inimigo, numa atração fatal de ódio e invejas.   

Os revolucionários franceses, em 1792, brigaram até com o calendário gregoriano, criando outros inspirados nos ciclos da natureza, mas provocando um tumulto generalizado no Estado francês, até o dia que Napoleão Bonaparte, então imperador, na virada de 1805, oficializou de novo o anterior. 

Os excessos carecem de inteligência e acabam por provocar outro radicalismo, inversamente proporcional. 

As barbaridades, entretanto, não são eternas, assim como as modas. O radicalismo mais recente, infelizmente, mesmo sem guilhotinas, quando transita na oposição, deixa de analisar, de avaliar com moderação, não pensa no bem social ou no “menos pior”. Exatamente torce pelo “quanto pior, melhor”. O que interessa, custe o que custar, é demolir o oposto, é a retomada do poder.   

Fiz um preâmbulo histórico e exegético para não entrar diretamente na questão de paixões e ódios, interesses mesquinhos e dissimulados, em nossa terra, o Brasil. 

Muitos estranham o nosso presidente Bolsonaro, impiedosamente criticado de um lado e apaixonadamente defendido de outro. Dessa forma, esquece-se o Brasil e se gasta chumbo em julgamentos que não terão condenação. O que é Bolsonaro? O fenômeno Bolsonaro, o “mito”, capitão? 

Precisamos tomar emprestada da sabedoria do teosofista Jiddu Krishnamurti (1895-1986) uma definição de governo: “Representa o que nós somos. E o que nós somos? Somos uma massa de reações condicionadas, violência, avidez, egoísmo, inveja, volúpia de poder etc. O governo é uma violência”. Violência sob diversas formas, que refletem a síntese da nação. Os votos depositados nas urnas se encarregam, na época contemporânea, de apressar o destino incontornável. 

Por que Bolsonaro chegou ao poder? O maior eleitor, ou a principal razão da vitória dele, é nitidamente o seu principal e radical oposto, Lula. Aquela grande figura que faliu moralmente, permitiu que a corrupção chegasse ao cume do absurdo e do imperdoável. A nação que trabalha, que tem noção de estar contribuindo sem receber uma respeitosa resposta em serviços públicos, decidiu se refugiar na margem oposta, que tinha um único ocupante, o “capitão”. 

O lulismo perdeu apelo popular, no segundo mandato de Dilma Rousseff, que até parte do rebanho mais submisso e fiel ao ex-presidente debandou, “revolucionou”, decidiu em 2018 o grande passo em sentido oposto. Uma história que se repete nos séculos.   

Ao alcance do eleitorado brasileiro, que em sua maior parte estava farto de lulismo, só tinha Bolsonaro, como opção nitidamente contrastante com a velha política. Um ex-militar que prometia ordem, família, cristianismo e liberdade econômica, que se valia de redes sociais, enquanto o eleitor experimentava o desemprego, os impostos escorchantes, o sucateamento dos serviços públicos. 

Quem passou no governo do Brasil antes de Bolsonaro não soube evitar a explosão da dívida pública, a decomposição da infraestrutura, material e moral da nação. 

O capitão enfrenta, agora, o problema das “rachadinhas” do filho, eis o problema! Mas não se ouve falar de mensalões ou petrolão, que tiraram trilhões de reais das rendas dos brasileiros. 

Krishnamurti deu uma advertência aos radicais: “A verdadeira revolução não é a revolução violenta, mas aquela que se realiza pela prática da integração (união) e da inteligência de entes humanos, os quais, pela influência (e exemplo) de suas vidas, promoverão gradualmente grandes transformações na sociedade”. 

O Brasil ainda está longe disso. 

O teosofista dá um alerta: “A forma mais elevada da inteligência humana é a capacidade de observar sem julgar”. 

É isto: apenas da síntese dos melhores pensamentos, da união de esforços, e não do confronto de baixezas, que o Brasil poderá sair vencedor.