O TEMPO

Para a posteridade

A brutal força do crime organizado se estabelece com o tráfico de drogas, atividade mais rentável do que os próprios roubos e assaltos

Por Vittorio Medioli
Publicado em 17 de março de 2019 | 04:30
 
 

Registrou-se uma importante queda da criminalidade em toda a região metropolitana entre 2016 e 2018. Em alguns municípios, como Betim e Belo Horizonte, caiu pela metade. Comemoremos! Guardando, contudo, lições para não perder os avanços. Os investimentos em segurança, especialmente em policiamento de rua, foram fundamentais. Em Betim os homicídios caíram de 51 por 100 mil habitantes para 28 por 100 mil, abaixo da média nacional, de 30 por 100 mil, aliado a cuidados sociais, como a reeducação de menores usuários de drogas em comunidades terapêuticas, mantidas por entidades religiosas.

Não paira dúvida de que o policiamento ostensivo dissuadiu os delinquentes, que as blitze e as bases móveis distribuídas por Pimentel em 2018 acuaram o livre trânsito de criminosos.

Para saber quanto vale o policiamento militar, precisamos voltar o nosso olhar e memória aos casos de paralisação das polícias em Estados como Espírito Santo e, ultimamente, Ceará. Caos, assaltos a supermercados, incêndios e ambiente de salve-se quem puder.

Nossa sociedade não está preparada para, como uma cidade-república da Magna Grécia, prosperar sobre princípios do bem.

A brutal força do crime organizado se estabelece com o tráfico de drogas, atividade mais rentável do que os próprios roubos e assaltos. Vale-se de milícias fortemente armadas para proteger seus territórios. Muitos homicídios se devem a essas disputas. Paradoxalmente, o “tráfico” detesta os crimes comuns, como assaltos, que atraem investigações e patrulhamento. Por vezes, embrulham os assaltantes e os colocam quebrados na porta de um pronto-atendimento.

As drogas levam à alienação degenerativa. Os chefes arregimentam pessoas marginalizadas, sem estudos e perspectivas de acesso pela porta da frente.

Precisamos lembrar que a falta de educação na primeira idade condena muitos indivíduos à marginalização precoce, que se consolida na adolescência, daí o mergulho nas drogas e no tráfico, nas comunidades de zumbis do crack. Marginalizados sofrem o descaso, o bullying. Sofrem. Fazem sofrer numa cadeia de desgraças.

Segundo o pesquisador Renato Sérgio Limas, “não conseguimos oferecer nenhum tipo de alternativa para aqueles jovens, que são estigmatizados, não têm emprego, são o ‘nem nem’ – nem estudam, nem trabalham. É o abandono da juventude por parte das políticas públicas”. Além disso, nas penitenciárias, o tratamento é o pior possível, e continua: “Claro que os crimes que são numericamente maiores vão gerar mais presos, que são os ligados aos pequenos traficantes. Não se investiga adequadamente, não são presos homicidas, estupradores. Prende-se quem não precisa e não quem precisa ficar preso”.

No Ceresp de Betim a população carcerária é marcada em 90% pelo analfabetismo funcional, e 88% desta, ao sair da reclusão, retornará ao xilindró em poucos meses. Evidentemente a duras penas, caras para a sociedade, a maioria marcada por dependência das drogas. A criminalidade segue nesse círculo vicioso e custa a Minas uma dezena de bilhões subtraídos a finalidades mais nobres.

Educação é o antídoto de longo prazo mais eficiente para debelar a criminalidade, contudo não interessa aos políticos, que em primeiro lugar pensam na reeleição e no enriquecimento com o mandato. Investir em educação infantil quer dizer aguardar frutos para 15 ou 20 anos. Um em cada cem se preocupa além da próxima eleição, o horizonte se limita a quatro anos.

Ontem lancei as obras de mais dois centros de educação infantil em Betim, num modelo inovador, bonito, estudado para ser o melhor possível. Bem mais avançado de quanto o próprio Ministério da Educação sugeriu nos últimos 20 anos.

Com 384 vagas em tempo integral e capacidade para mais 500 alunos (parte deles em meio período), já temos 11 unidades sendo entregues ou em construção. Isso apesar de dificuldades imensas pela queda brutal de arrecadação, agravada pelas apropriações indébitas perpetradas contra os municípios pelo Estado “saturnal e demolido” de Minas Gerais. Saturno era aquele deus grego que se alimentou dos próprios filhos.

Ao saírem das inaugurações, alguns cidadãos reclamaram que ali eles queriam uma Unidade Básica de Saúde (UBS), já que também estamos construindo 11 UBSs (sem dinheiro público, usando apenas contrapartidas sociais e ajudas do setor privado): “Aqui uma UBS seria melhor”. Claro que uma UBS será construída no local em substituição a outra, pequena e velha, quando encontrarmos recursos na escassez. Fica, entretanto, nítida a visão do eleitor. A creche atende apenas as crianças, mesmo que do bairro.

Outros confessaram no pé do ouvido que preferem prefeitos que distribuem a rodo cabides de emprego, e não entendem a preciosidade dos recursos públicos.

A nossa é uma democracia ainda incipiente, de visão curta, de parcos cuidados com o ser humano. Produz, em série, delinquentes e deles se queixa. Avança jogando casca de banana pela frente. Não vê com clareza a educação como um patrimônio que nunca poderá será subtraído ou corroído por qualquer ação, permanecendo a serviço do indivíduo e de toda a sociedade.

Persistir, seguir o reto caminho, saber sorrir educadamente. Ter compaixão, não se decepcionar, o Reino do Céu é diferente deste mundo. A paciência será recompensada, alguém entenderá que debaixo de uma lápide descansam a coragem e o amor ao próximo.