Vittorio Medioli

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RRF, uma rendição humilhante

Publicado em: Dom, 20/02/22 - 03h00

O Estado de Minas Gerais ajuizou no STF pedido de medida que obrigue a Assembleia a votar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Esse RRF representa um conjunto de ações que na prática reduzem a autonomia de Minas, constrangendo-a e segregando-a. E se, como dizia Tancredo, “negocia-se qualquer coisa, menos a soberania”, aqui a soberania será cedida, e, assim, a condição de “submissão” estará selada por muitos anos, como a de um incapaz que precisa de tutela. O estado de restrições faz surgir outras e deletérias consequências e engessa a relação com servidores, obriga a venda do patrimônio mais valioso e rentável, e qualquer ação terá que ter a permissão de um comitê formado em dois terços por interventores da União. 

Pois bem, o atual governo se esforçou para evitar ou ao menos encontrar uma fórmula menos vexaminosa? Não parece. A venda das estatais, cláusula fundamental do acordo, é uma meta declarada do Partido Novo, e a adesão ao RRF facilita o alcance desse plano.  

A terceirização das responsabilidades é uma saída adotada em tudo; se não é a União, são os prefeitos incompetentes. 

Perdendo a independência, o Estado não conduzirá seu destino, será conduzido pelos credores. Só isso representa uma derrota incondicional, a falência da capacidade de gerir o desafio. 

É o fim da picada o que a União exige dos falidos. O Estado em 2018 apresentava R$ 110 bilhões em dívidas; hoje, três anos depois, são R$ 150 bilhões. 

O Estado está falido, mas a lei não prevê a liquidação. Há três anos Minas está pendurada numa liminar para não pagar o que deve, assim o governo apelou à ajuda do STF para constranger a Assembleia a votar uma espécie de condenação à submissão, às privações, porque se esgotaram todos os prazos para encontrar saídas que não estão sendo enxergadas. Saídas fora do alcance do atual governo, mas saídas que existem e precisam de competência e autoridade para pô-las em prática. A diminuição do pagamento das parcelas nos primeiros anos remete aos sucessores o maior esforço, acrescido de juros e correção. 

A venda de Cemig, Codemig, Copasa e outras empresas que porventura tenham algum valor será feita perdendo-se os lucros que uma boa administração poderia proporcionar. 

A Cemig, quando bem gerida, é uma empresa muito rentável, e seus dividendos, uma oportunidade para pagar a dívida sem perder o patrimônio e sem exigir mais impostos dos contribuintes. No passado sua administração foi irresponsável e predatória. Reynaldo Passanezi, atual presidente, apontou, numa entrevista a O TEMPO, que encontrou uma cratera de R$ 26 bilhões deixada nos últimos governos, na fase em que a Andrade Gutierrez foi introduzida na estatal como raposa no galinheiro. Ele explicou que nessa época foram investidos R$ 21 bilhões fora de Minas e que desse investimento sobraram, em valores atuais, R$ 9 bilhões, com uma perda de R$ 12 bilhões. Mostrou também que na tarifa de energia é prevista uma larga margem de despesas administrativas de 30%, enquanto no período nefasto se gastava muito mais, com uma perda de R$ 7 bilhões. O presidente afirmou que as despesas atuais estão bem menores do que o limite de 30% previsto na tarifa pela Aneel, e, ainda, outros R$ 7 bilhões foram distribuídos de forma injustificada. Isso gerou um rombo de R$ 26 bilhões em perdas. Neste exercício, são R$ 8,3 bilhões de geração de caixa, em época adversa de pandemia e dificuldades. Se a Cemig pode gerar tanto, para que vendê-la e renunciar aos seus lucros? O que é preciso, antes de querer privatizá-la, é valorizá-la. Assim como a Codemig, dona de jazidas estratégicas que valem uma fortuna. 

Chegar ao ponto de rendição em que o Estado de Minas se encontra é uma afirmação da incapacidade, e recorrer ao STF numa relação com a Assembleia mostra cabalmente a incapacidade de se relacionar politicamente em altos níveis. Perdeu-se, em banalidades e pequenezas, a visão da grandeza de Minas e das oportunidades que possui de crescer, prosperar e superar a miséria insuportável que existe em sua população.