Vittorio Medioli

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Tiro no pé

Publicado em: Dom, 17/04/22 - 03h00

Na última semana, registrou-se uma troca de farpas entre o governador de Minas, Romeu Zema, que lançou a primeira pedra, e o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus, que a devolveu. O primeiro usou o termo “nocivo” para classificar o comportamento de Patrus; o troco para Zema foi ser chamado de “incapaz”.

Do dicionário se revela que “nocivo” é “capaz de prejudicar, de causar danos, prejuízos; danoso, prejudicial, como é a nicotina e álcool para a saúde”. O termo da direção oposta, “incapaz”: “que não tem capacidade para determinada ação; sem competência; inábil, incapaz de governar”.

Pode-se encontrar alguém que se coloque em um dos lados e bata palmas para o governador ou para o presidente da Assembleia. Entretanto, além do confronto inusitado, precisa-se perguntar o porquê. Quais as causas que levaram a isso? A constituição determina para os Poderes a busca de harmonia, exatamente o contrário daquilo que ocorreu mais uma vez nos últimos anos.

O sistema presidencialista rege os governos federal, estadual e municipal e auspica a procura de um Estado pacifico, construtivo e de proveitosa parceria para o bem da população e do Estado. Nos melhores e mais fecundos momentos vividos no passado, o diálogo, a solidariedade e o esforço conjunto na procura de soluções se encontravam na mesma mesa. Raramente, em Minas, o governo deixou de ter apoio da maioria dos parlamentares. O governante se preocupava, em primeiro lugar, em constituir uma sólida maioria na Assembleia para poder ser apoiado e sustentado em seus intentos, já que governar, em outras hipóteses, se torna inviável.

Esta prática não ocorreu nos últimos três anos, não se vislumbrou um esforço de cima para baixo. O governo de Minas se “ilhou” por escolha própria. Pode-se calcular, pelas últimas e mais polêmicas votações, que conta com cerca de 22 dos 77 parlamentares. Exígua base de perfil marcadamente fisiológico, brindado, como mostrou este jornal, por verbas milionárias, ocultas, arbitrárias e não uniformes. Apenas dez parlamentares receberam cerca de R$ 300 milhões de um bolo de cerca R$ 380 milhões distribuídos em 2021.

O Partido Novo é marcado pela ausência de classes mais populares, da base da pirâmide social. Considerando-se adepto de liberalismo ortodoxo, não cresceu no momento de governar. Começou com três parlamentares, e hoje está apenas com dois. Um deputado – ou seja, um terço dos que elegeu – foi expulso ao divergir de algumas decisões. Isso, por si, mostra a dificuldade de se relacionar com o mundo real e, ainda, com a classe política, o funcionalismo e muitos outros setores. Trata os diferentes com certo “esnobismo”, certa suficiência, por vezes com chacotas ácidas. Tem dificuldade de relação com os terrestres comuns que compõem o espectro social.

Mesmo criticando duramente o fisiologismo, acabou conquistando uma parca minoria na Assembleia com a liberação exagerada e exorbitante, para alguns parlamentares, de verbas de R$ 50 milhões em 2021. Deixou outros, mesmo da base de apoio, com cotas de apenas (!) R$ 10 milhões – e para mais de 50 deputados, nada. Refém, assim, de poucos e inúteis, dotados de apetite incomum, deixou de ter maioria e acentuou os motivos de oposição. Esforçou-se em consolidar uma maioria adversa.

Isso também faz ruir os conceitos supostamente puristas do partido Novo, que repudia o uso de verbas públicas para fins eleitorais e de conveniência. Além de fazer uso, o faz desastradamente e em volumes insanos.

A divisão desproporcional de verbas é apenas um dos problemas. Talvez mais grave seja a confiança na aprovação popular de Romeu Zema e certa soberba na postura de “já ganhou” que transpira da chaminé. As pesquisas mostravam que a aprovação no final do ano passado, com cerca 60%, tinha, todavia, dois terços a reclamar como insuficientemente o desempenho do governo. O eleitor não viu obras nem melhorias na saúde e na educação, quanto menos na infraestrutura viária, em estado de sucateamento.

O que fez este governo? O que tem a dizer além de críticas aos governos anteriores? A dívida pública subiu de R$ 110 bilhões para quase R$ 160 bilhões, sem que obras ou avanços fossem visíveis e concretos. O fato de o governador veicular proezas domésticas acentua a sensação de falta de resultados a mostrar no desempenho de suas obrigações.

Despejar críticas ao presidente da Assembleia, quando a maioria derrubou os vetos aos aumentos salariais, está longe de resolver os problemas – e eventualmente os agrava. O poder Legislativo reflete, de regra, o que lhe é cobrado do eleitor.

O governo coloca na vitrine, assim, a grave incapacidade de leitura da realidade. Age mais como avestruz: enterrando a cabeça, mostra-se contraditório e estressado na condução de seus deveres.
 Responder a uma derrota com ofensas acaba deixando a situação pior. Como mais um tiro no pé.