Artes Cênicas

Uma ilha de cultura brasileira

Redação O Tempo

Por Jessica Almeida
Publicado em 21 de novembro de 2015 | 03:00
 
 
Entre as canções da trilha estão ‘Peixinhos do Mar’, folclore adaptado por Tavinho Moura, e ‘Suíte do Pescador’, de Caymmi João Caldas Filho/Divulgação

Os primeiros devaneios de montar “A Tempestade”, peça que acredita-se ter sido a última inteiramente escrita por William Shakespeare (1564-1616), surgiram na mente do diretor Gabriel Villela nos anos 1980, quando ele ainda era aluno da Escola de Comunicação e Artes da USP. Posteriormente, nos anos 1990, já em parceria com o Grupo Galpão, Villela planejou colocar o sonho em prática. 
“Depois de ‘Romeu e Julieta’, nós tínhamos esse projeto. Eu e o Rodolfo (Vaz, ex-integrante do Galpão) brincávamos de provocar a (crítica de teatro e especialista em Shakespeare) Barbara Heliodora (1923-2015), a quem pedíamos uma tradução, dizendo que mudaríamos o título para ‘Uma Tempestade em Copo D’água’, ‘Toró’ ou ‘Tromba d’Água’”, conta o diretor, em referência ao caráter burlesco do texto. A concretização do sonho acabou não acontecendo com o Galpão, mas Villela finalmente realizou o desejo este ano, e é essa montagem de “A Tempestade” que faz curta temporada em BH no próximo fim de semana (de 27 a 29).
Na trama, o mago Próspero (Celso Frateschi) ex-duque de Milão banido de sua terra, lança uma tempestade e atrai, para a ilha onde está, o navio em que viajava a corte de Nápoles e seu irmão Antonio (Rogerio Romera), que lhe usurpou o ducado. Usando mágica e ilusão, ele se reconcilia com a família e restitui a filha Miranda (Leticia Medella) ao poder. “Todas as peças de Shakespeare vão da ordem para o caos. Em ‘A Tempestade’, ele faz o contrário e caminha para a ordem por meio do perdão”, afirma Villela.
Em vez do colorido habitual, a linguagem do diretor ganha tons terrosos. Além disso, a detalhada cenografia contém elementos da cultura nacional: nos figurinos – produzidos no ateliê que Villela mantém em sua cidade natal, Carmo do Rio Claro – rendas e bordados; no cenário, peças de antiquário, como um armário de cachaças, e objetos assinados pelo artista Chicó do Mamulengo. Embora o espetáculo trate de uma tempestade, sob a direção musical de Babaya e Marco França, a trilha sonora deixa de lado a agressividade dos raios e trovões. As canções, que tratam do universo das águas doces e salgadas e são cantadas e tocadas ao vivo pelo elenco, são apresentadas em arranjos serenos. Segundo o diretor, de agressivo já basta o mundo. “Olha só pra (cidade de) Mariana, pro Rio Doce, desgraçou tudo... Acho que o mundo está muito doido, não adianta fazer barulho na cabeça do espectador, raios e trovões. Não preciso passar mais isso pra plateia. Vamos pelo caminho da poesia, da literatura mineira, que não é barulhenta, mas silenciosa, religiosa”, justifica. “A Babaya e o Marco França (diretores musicais) trabalharam para tudo, no fim das contas, parecer um pequeno concerto dentro de uma capelinha”.
Assim como Shakespeare aludiu no texto a trabalhos anteriores, Villela, que pela quinta vez monta uma peça do bardo, faz referência ao “Romeu e Julieta” que fez com o Galpão. “No meu caso não é uma súmula de tudo o que fiz, como foi no de Shakespeare, mas diria que há uma coerência muito grande entre o que está feito e o que foi feito. Mas o fato é que ele chegou num ponto de sua obra em que não se preocupava mais em criar diálogos, então o casal amoroso da peça tem textos idênticos aos de ‘Romeu e Julieta’. Então eu faço homenagens, brinco com cenas de sombrio, desequilíbrio. São referências retrabalhadas em novo significado”, diz.
 
A Tempestade
Dir. Gabriel Villela
Cine Theatro Brasil (r. dos Carijós, 258, centro, 3201-5211). De 27 a 29. Sexta e sábado, às 21h, domingo, às 20h. R$ 60 (inteira, plateia 1), R$ 50 (inteira, plateia 2)