Greve

Levante feminista

Movimentos de mulheres vão às ruas na próxima quarta (8) em protesto a reformas, à violência e abusos contra o sexo feminino

Por Bárbara França
Publicado em 04 de março de 2017 | 03:00
 
 

Um dia depois de Donald Trump assumir a presidência dos Estados Unidos, no dia 20 de janeiro, ruas de várias cidades daquele país foram tomadas por centenas de milhares de pessoas trajando um gorro cor de rosa. O adereço era símbolo da Marcha das Mulheres (Women's March, em inglês), realizada em defesa de direitos das mulheres e das minorias como reação a comentários vistos como misóginos feitos pelo novo presidente norte-americano durante a campanha. A marcha também se posicionava em repúdio às medidas contra o direito ao aborto, prometidas para o mandato. O evento conseguiu colocar para fora de casa, segundo a organização, cerca de 3 milhões de manifestantes, mais gente do que o número de presentes na cerimônia oficial da posse de Trump, em Washington. 

Menos de 24 horas após a mudança de Trump para a Casa Branca, a Marcha das Mulheres já tinha ganhado adesão em dezenas de outros países. Não há uma quantificação exata, mas no site oficial há a estimativa de que quase 670 marchas solidárias à causa das norte-americanas foram organizadas ao redor do globo – inclusive no Brasil. 

O tipo de evento não é algo inédito no mundo, muito menos por aqui, em terras tupiniquins, onde mulheres vão às ruas reivindicar os seus direitos não é de hoje (vide a marcha das mulheres contra Eduardo Cunha, que tomou as ruas no fim de 2015). No entanto, apesar das controvérsias geradas com relação, por exemplo, à escassez de propostas concretas, a marcha chamou a atenção pela proporção e dimensão internacional que bandeiras levantadas por mulheres de diferentes realidades, cores, religiões e trajetórias têm a capacidade de alcançar. 

Após um período de bastante otimismo e atividade, especialmente nas redes sociais, apelidado de “primavera feminista”, o acontecimento do início deste ano parece apontar para uma sequência que é a presença massiva nas ruas. Seguindo essa proposta, o movimento argentino Ni Una Menos, contra os feminicídios na América Latina, em parceria com a organização norte-americana International Women’s Strike, estão convocando para uma greve geral no próximo dia 8 (quarta), também lembrado como Dia Internacional da Mulher. Mulheres de 40 países já aderiram (leia sobre o emblemático caso da Islândia na página 4).

Em Belo Horizonte, a data será marcada por um ato organizado por mais de 30 coletivos e movimentos de mulheres. Realizada pela primeira vez de forma unificada na capital, às 17h, na praça da Liberdade, a luta é contra as reformas trabalhistas e da previdência, contra a violência machista e ainda em solidariedade ao 8M – como a greve geral está sendo chamada no Brasil –, com o slogan “Se nossas vidas não importam, que produzam sem nós”. 

Rua

Estar na rua, para Áurea Carolina, cientista política e vereadora mais votada da capital na última eleição (pelo PSOL), significa a potência política do encontro. “Desde as manifestações de junho de 2013, ir para a rua se coloca como uma forma mais robusta de negação da política tradicional e, para as mulheres, isso representa ainda dizer que aquele espaço também é nosso. O patriarcado se constrói negando a presença das mulheres na vida pública e ir pra rua é uma forma de reivindicar esse lugar”, destaca ela, que optou pela passagem à vida institucional a partir de demandas que percebeu na convivência presencial com movimentos sociais que ajudou a construir. “A internet dá um alcance muito maior aos debates, mas o encontro nos coloca mais diante das diferenças”.

E trazer pessoas para mais perto das causas das mulheres é justamente a intenção dos grupos que se reunirão na próxima quarta. “Sabemos que é um horário de pico, em que muitos trabalhadores estão voltando para casa. Mas é preciso conseguir a escuta deles. Antes de ‘atrapalhar’ esse horário de pico, acreditamos que estar na rua é tentar dar repercussão à causa”, comenta Renata Rocha, 24, integrante do movimento Olga Benário e da Casa Tina Martins, referindo-se ao debate contra a reforma da previdência, que, dentre as propostas, prevê igualar a idade de aposentadoria para homens e mulheres. 

“Isso impacta negativamente a vida das mulheres, principalmente pobres, que, além de estarem no trabalho informal, realizam dupla jornada”, completa Fernanda Caldeira, 28, socióloga e integrante do Levante Popular da Juventude, que também participará do ato. “Acho que ainda falta unidade. Uma das críticas que faço aos movimentos feministas é sair um pouco da internet e escutar mais, dialogar nas ruas, nas salas de aula, com a família...”. 

A greve geral 8M, que tem como mote evidenciar o valor das mulheres no cotidiano, não só no espaço público, mas também no serviço doméstico, tem trazido como experiência o choque com diferentes condições para mulheres. “Estávamos articulando com mulheres da Tailândia e recebemos a informação de que nossa conversa estava sendo monitorada, uma vez que lá elas vivem numa ditadura. Já quando articulávamos com as finlandesas, elas comentaram que muitas das pautas em questão, como a violência doméstica e criminalização do aborto, já haviam sido conquistadas, mas elas estavam dispostas a demonstrar solidariedade”, conta Mariana Bastos, 36, administradora da página do 8M e integrante do movimento Paro Internacional de Mujeres. 

União

Se as condições são tão distintas, há, segundo Mariana, outros motivos que fazem todas marcharem no dia 8. “Vivemos uma onda conservadora internacional de extrema direita, que quer decidir sobre nossos corpos e nossas vidas. Isso nos une e motiva nossa luta”, destaca Mariana. 

Pensando especialmente no caso brasileiro, Cynthia Semíramis, pesquisadora do direito das mulheres, acredita que a luta precisa clamar por políticas públicas destinadas a diminuir desigualdades de gênero. “A situação das brasileiras é complicada quando se percebe a banalidade com que as pessoas se referem a situações de violência contra mulheres ou tentativas de controle de seu comportamento. Em termos legislativos, há diversas soluções para essas questões, mas as práticas no cotidiano ainda são bastante machistas”, frisa. 

Luta contra violência continua

Também lugar político desde seus primórdios, o Carnaval de rua de Belo Horizonte se tornou palco de debates concernentes a pautas levantadas por mulheres, especialmente com relação a assédio e violência sofridos durante a folia. Dias antes do feriadão, integrantes de vários blocos da cidade lançaram a campanha “Tira a Mão: é Hora de Dar um Basta”, com objetivo de conscientizar sobre o respeito ao espaço, aos corpos e às vontades das foliãs. A iniciativa teve como um dos motivadores os comentários machistas encontrados na internet em resposta a uma reportagem sobre blocos formados apenas por mulheres. Apesar da divulgação, quem acompanhou a festa na cidade pôde perceber a necessidade de a campanha ser efetivamente encampada por todos – prova inconteste foram os vários alertas feitos em trios elétricos, que chegaram a parar o som para denunciar assédios e agressões que estavam acontecendo nos desfiles.

Entre eles, um caso ganhou muita repercussão pela gravidade. Durante o cortejo do Unidos do Samba Queixinho, no bairro Carlos Prates, na segunda-feira (27) de Carnaval, um homem agrediu uma jovem com uma cabeçada no nariz após ouvir um “não”. O ocorrido, segundo Cacaia Carvalho, 29, estudante e integrante do bloco, só reforça a urgência dos dizeres estampados na fantasia que usava no dia, bem em frente à bateria: “#tira a mão”, “#hora de dar um basta”, “#respeita as mina” e “#assédio é crime”. “Eram os quatro eixos que norteavam nossa campanha e esse caso apareceu como uma infeliz coincidência, mostrando que temos que fazer escândalo sim”, afirma.

Protagonista de um vídeo com quase 3.000 curtidas e mais de 800 compartilhamentos em que aparece denunciando um assédio a folionas perto do trio, Marcela Linhares, 26, integrante do bloco Juventude Bronzeada, acredita que a campanha ainda perdura por muitos Carnavais. “É um absurdo que em pleno 2017 ainda tenhamos que falar de algo que é basicamente respeito ao outro. Mas não vamos nos calar, as mulheres precisam se unir mais e mais”, finaliza.

Ato na Islância inspira greve geral

Inspiração O levante programado para o próximo dia 8 é livremente inspirado em um evento ocorrido há 41 anos, na Finlândia, e que passou para a história como “Dia da Folga das Mulheres” ou “Sexta-Feira Longa”. Foi no dia 24 de outubro de 1975 que 90% das mulheres do país decidiram deixar seus afazeres domésticos de lado para ir às ruas protestar por direito iguais aos dos homens. A diferença salarial entre os sexos e a discriminação de gênero também estavam na pauta de reivindicações.

A gênese A greve foi inicialmente proposta por um movimento radical, o Red Stockings, o que causou estranheza nos setores mais conservadores. Mas a ideia se espraiou ao ser incorporada por segmentos mais moderados. Entre as que aderiram, estavam filiadas a sindicatos de profissionais de serviços de limpeza, cozinheiras etc.

O evento Bancos, fábricas e mesmo muitos estabelecimentos comerciais fecharam as portas, assim como escolas e creches. Com isso, muitos pais, sem saber como agir, acabaram tendo que levar os filhos aos seus respectivos locais de trabalho. Uma curiosidade: como não eram familiarizados com o fogão, os pais apelaram para o que parecia mais fácil de fazer na cozinha. E, assim, as salsinhas desapareceram das prateleiras dos supermercados.

Repercussão Cinco anos mais tarde, Vigdis Finnbogadottir derrotou três concorrentes à Presidência da República, tornando-se a primeira mulher presidente da Europa e a primeira no mundo a ser eleita democraticamente como chefe de Estado. Se tornou tão popular que foi reeleita sem oposição em duas das três eleições realizadas depois. Desde 2009, o Fórum Econômico Mundial situa o país na pole position no que tange à igualdade entre homens e mulheres.

Fonte: BBC

Ativismo pelo cinema

No embalo das mobilizações, o Sesc Palladium promove, de 8 (quarta) a 12 (domingo) de março, com entrada franca, a Mostra de Cinema Feminista. Nascida num evento de luta de mulheres – o “Diversas: Feminismo, Arte e Resistência” –, a mostra teve exibições em espaços públicos em suas duas primeiras edições. 

Nesta terceira, une a proposta de dar visibilidade às produções cinematográficas realizadas por mulheres à concepção do cinema feminista como demarcador das insurgências contra a misoginia, o feminicídio, a cultura do estupro, assédio e agressões aos corpos das mulheres, principalmente negras e periféricas. As exibições (serão 40 títulos) foram distribuídas em sessões que subdividem as reivindicações sob temáticas: O corpo é meu; Mexeu com uma mexeu com todas; Meu corpo minha revolução; Vamos juntas, estamos na luta; A mulher é o que ela quiser; Memórias feministas; e Racistas não passarão, além da mostrinha, contemplando o universo infantojuvenil nas sessões Lute como uma mulher e Existimos porque re-existimos.

Realizada pela Coletiva Malvas, a mostra traz títulos pinçados de um universo de 120 filmes de realizadoras de várias partes do país e do exterior. A ideia é que o público seja instigado, assim como as organizadoras foram.