Reportagem

Sem Milagre

Sucos detox, alimentos sem glúten ou lactose, óleos de coco, goji berry... Especialistas analisam o que é mito e verdade sobre as promessas milagrosas das dietas da moda e alertam para os perigos dos regimes restritivos

Por Bárbara França
Publicado em 21 de março de 2015 | 03:00
 
 
Vitaminada - Rebeca Zavatini, 27, prepara sucos para ingerir nutrientes que costumam ficar fora do seu prato Douglas Magno/O Tempo

Vani Oliveira, 55, já bebeu água morna em jejum, chupou limão pela manhã, passou uma semana tomando sopa e 15 dias à base de caldos. Às vésperas da viagem de férias para o Rio de Janeiro, a funcionária pública não pensou duas vezes antes de abolir o glúten e a lactose. Ela queria ficar “fininha” nas fotos de biquíni. Os famigerados sucos detox vieram a calhar quando percebeu que era hora de limpar o organismo e secar mais 2kg ou 3kg, de preferência em gordura na barriga – “a mais difícil de ser tirada”, enfatiza.

Vani cita com tanta propriedade os termos ‘carboidrato’ e ‘proteína’, que é como se estivesse falando de arroz e feijão. “Estou sempre testando alguma coisa. Mas eu não sou radical, não fico 30 dias sem comer. Meu ambiente é que está cheio de pessoas que ligam muito para o corpo”.

O caso de Vani está longe de ser isolado. Uma pesquisa realizada pelo Omega Pharma, empresa de medicamentos para perda de peso, aponta que uma em cada dez mulheres faz dieta a vida toda. No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo Hospital do Coração de São Paulo, mais de 10 milhões de pessoas fazem dieta, entre homens e mulheres.

Eles parecem não ouvir vozes como a da nutricionista Sophie Deram, especialista em neurociência do comportamento alimentar pela USP. A especialista condena todo e qualquer tipo de dieta e defende uma relação mais tranquila com o alimento. Afinal, segundo a autora do livro “O Peso das Dietas” (2014, editora Sensus), é comprovado que 95% das pessoas que seguem um regime restritivo voltam a engordar. Isso porque, ela explica, as dietas estressam mente e corpo, desequilibrando o funcionamento da fome e da saciedade. Fora o fato de que é mais do que sabido que uma vida saudável está muito além do peso.

Mirabolantes

Mas como resistir ao bombardeio de ofertas de dietas as mais mirabolantes possíveis contendo grãos, nozes, óleos da Índia, do Tibet, do Peru, prometendo efeitos milagrosos? Conforme a publicidade, eles não só promovem o emagrecimento como previnem o câncer, são ricos em antioxidantes, regulam o intestino, ajudam o fígado, desintoxicam, retardam o envelhecimento...

O que não necessariamente é mentira. De acordo com Sabrina Fabrini, coordenadora do curso de nutrição do Uni-BH, baseados em pesquisas sérias, os benefícios apontados costumam ter um fundo de verdade. No entanto, é preciso entender que nada faz milagres e que a medida certa de uma boa alimentação depende de cada biotipo e está muito distante das restrições radicais.

Equlíbrio

De três em três horas, às vezes de duas em duas, João Golino, 23, come bem. Bem mesmo. Seus amigos até brincam que ele come umas quatro quentinhas por dia. O fato é que o estudante de educação física não é muito adepto de lanches e prefere consumir “comida de verdade”, como ele mesmo diz. Vegetais, ovos, carnes e frutas estão sempre presentes no seu prato, do qual ele prefere afastar os produtos industrializados.

Mas isso não quer dizer que seja algo custoso para João. Acostumado a se alimentar de forma balanceada há tanto tempo, ele lida com a comida de uma forma tranquila. “Pra mim, é algo rotineiro. Quando aparece um doce, por exemplo, não recuso nem como aos montes. Tudo com moderação”, comenta ele, cuja alimentação é pensada de acordo com o gasto em exercícios físicos.

Praticante do crossfit, um programa de treinamento de força e condicionamento baseado em movimentos funcionais, Golino recorre ao Whey Protein como suplemento de sua dieta. Febre entre os frequentadores das academias, o produto, composto por uma proteína geralmente derivada do soro do leite de alto valor biológico, é usado por quem deseja conquistar músculos de forma mais eficaz.

“Tomo apenas por ser mais prático do que comer um prato depois do treino. Como é uma modalidade bastante intensa, muitas vezes termino sem apetite, além do que, logo em seguida, tenho que trabalhar, tendo pouco tempo para me alimentar”.

Avaliação

No caso do João e de outros praticantes de atividades físicas intensas, Raquel Marques Diniz, professora de nutrição da PUC Minas, considera válido o uso do suplemento. O produto representa uma opção para o atleta adquirir uma boa dose de proteína com baixa quantidade de calorias. Mas ela reforça que, ainda assim, é necessário a avaliação minuciosa de cada corpo e da sua dieta, para verificar a real necessidade da ingestão de mais proteína e em que quantidade. Afinal, de acordo com Marcio Atalla, professor de educação física do quadro “Medida Certa”, do programa “Fantástico”, o consumo prolongado de quantidades muito acima da demanda do indivíduo pode gerar problemas nos rins, por exemplo.

DICAS 

Para ajudar a clarear um pouco esse universo tão controverso e mutante que é o das dietas e seus alimentos, o Pampulha foi atrás de diversos especialistas com a seguinte questão: afinal, o que é mito e o que é verdade nessa história toda? Confira. 

Detox - A publicitária Rebeca Zavatini, 27, toma sucos detox toda segunda-feira, um de manhã e um à tarde. Couve, abacaxi, hortelã, limão e gengibre são alguns de seus ingredientes favoritos na mistura. Ansiosa, ela está interessada no poder cicatrizante da couve. O desinchaço subsequente também é bem-vindo Mitos Os sucos detox são conhecidos pelas promessas de desintoxicação do organismo porque conteriam componentes que favoreceriam a limpeza hepática. Além do mais, fala-se sobre o potencial emagrecedor e sobre a alta ingestão de vitaminas que promovem Verdade Para Sophie Deram, nutricionista da USP, nosso corpo tem órgãos para desintoxicar o organismo que funcionam bem, sem ajuda. Mas os sucos são bons para criar o hábito de ingerir mais líquidos e possuem vitaminas. 

Óleo de coco - É basicamente a polpa da fruta levada a um processo de refinamento. Usado “in natura” ou na cocção dos alimentos, o óleo é abundante em gordura boa, tem propriedades antioxidantes, ajuda a diminuir o colesterol ruim e a melhorar o sistema imunológico. Mito Óleo de coco promove a saciedade, emagrece e seca a barriga. Verdade “Gorduras demoram mais para serem digeridas, por isso a sensação de saciedade que o óleo de coco promove. Mas, não é o único ingrediente responsável por isso. Além do mais, como qualquer gordura, ele é altamente calórico, o que pode levar ao ganho de peso. É possível conseguir essa saciedade ingerindo fibras em alimentos menos calóricos e mais baratos, como as verduras, por exemplo”, comenta Raquel Marques Diniz, professora de nutrição da PUC Minas.

Tapioca - Queridinha das dietas da vez, a tapioca ganhou espaço principalmente após a profusão da dieta sem glúten. A iguaria, típica das regiões Norte e Nordeste, é produzida a partir da mandioca e tem como principal nutriente o amido, um tipo de carboidrato considerado bom Mito Tapioca ajuda a emagrecer. Verdade De acordo com Marcio Atalla, professor de educação física do quadro “Medida Certa” do programa “Fantástico” da Rede Globo, a tapioca deve ser consumida com cuidado por quem quer emagrecer porque possui alto índice glicêmico. “Tem a mesma ou, às vezes, mais calorias que o pão. Se você não tem intolerância ao glúten, gosta do pão, não tem sentido essa substituição, a menos que goste da tapioca e queira variar o cardápio”.

Goji Berry - É um fruto originário do Tibet. Consumido como suco, “in natura” ou desidratado, o goji berry é elogiado por seu alto teor de vitamina C, nutriente que melhora o sistema imunológico. A fruta também tem ação antioxidante e equilibra os níveis de colesterol, protegendo o coração. Mito Goji berry ajuda a emagrecer Verdade A vitamina C participa dos processos metabólicos, mas não há nada que comprove uma ação emagrecedora eficaz. Além do mais, segundo Sabrina Fabrini, coordenadora do curso de nutrição do Uni-BH, o excesso da vitamina no corpo pode ser prejudicial, na medida em que contribui para a formação de pedras nos rins. “É possível encontrar alimentos ricos em vitamina C em frutas comuns na dieta brasileira, como laranja, abacaxi, acerola e até goiaba”, destaca. 

Clara do ovo - É rica em albumina, uma proteína de origem animal que possui alto valor biológico, ou seja, ela é bastante absorvida pelo corpo. Muito utilizada pelos adeptos da musculação, a proteína é consumida para o desenvolvimento muscular, além dedar mais sensação de saciedade, já vez que é um nutriente de longa absorção.Mito clara do ovo ajuda a emagrecer Verdade De acordo com Rafaelly Cristina Silva, especialista em nutrição esportiva funcional, o ovo é uma fonte proteica das mais completas que existem e a gordura que ele possui, principalmente na gema, é de boa qualidade. Então, consumir só a clara implicaria na exclusão de nutrientes importantes. “A alimentação é mais completa se todo o ovo for comido”. Agora, embora ele favoreça a saciedade, o emagrecimento não depende só disso. 

Sem lactose - Algumas pessoas sentem desconforto na ingestão de leite e seus derivados porque têm deficiência de lactase, uma enzima necessária à digestão da lactose. No entanto, a retirada da lactose da dieta passou a ser vendida como uma possibilidade de perda de peso Mito Dieta sem lactose pode enxugar quatro quilos em 15 dias Verdade “Além da lactase, temos micróbios no organismo capazes de digerir a lactose. Então, eliminá-la não faz sentido, a não ser que você seja realmente intolerante. Fora que derivados do leite já contêm pouca lactose. Sobre o emagrecimento, ele acontece porque se está ingerindo menos alimentos. Mas, isso não é tão saudável, já que o leite fornece muitos nutrientes importantes”, destaca Sophie Deram, nutricionista da USP.

Noz da Índia - A semente tem sido muito procurada nas lojas de produtos naturais, anunciada como rica em fibras, ácidos graxos essenciais, ou seja, gordura boa para o organismo, além de possuir ação antioxidante e ser fonte de vitamina E Mito Emagrece até 12kg por mês. Consumindo 1/8 da semente, geralmente no período da manhã, diz-se que ela contribui para a saciedade e ajuda a eliminar gorduras localizadas Verdade “Não há comprovação quanto a seus efeitos na perda de peso e de gordura corporal. Tudo ainda é especulação”, comenta Sabrina Fabrini, do curso de nutrição do Uni-BH, que ainda chama a atenção para efeitos colaterais como dores musculares, de cabeça e diarreia. Além do mais, é preciso atenção porque há outro tipo de semente no mercado que tem sido vendida como noz da Índia, mas é altamente tóxica. 

Sem glúten - É uma proteína natural presente em grãos como trigo, aveia e derivados, como macarrão, pães e bolos. Nas pessoas intolerantes ao glúten, as celíacas, a ingestão da proteína causa uma inflamação no estômago, acarretando diarreia, vômito e outros sintomas. Como muitos desses alimentos são considerados calóricos, retirar o glúten da dieta passou a ser também forma de emagrecer Mito seca 5kg em duas semanas Verdade “Retirar o glúten só faz sentido pra quem tem intolerância. Esse alimento faz parte da nossa alimentação há pelo menos 8 mil anos”, comenta Marcio Atalla, professor do quadro “Medida Certa”, do Fantástico. Segundo ele, a retirada do glúten não tem ligação com emagrecimento. “Claro que diminuir calorias ingeridas durante o dia ajuda no emagrecimento, mas não é por causa do glúten”. 

Azeite - Sempre foi elogiado por seus benefícios à saúde. O ingrediente tem mais antioxidantes do que outros óleos, ajudando em doenças cardiovasculares, é rico em vitamina E, previne o envelhecimento precoce, dentre várias outras qualidades. Mito quando aquecido para utilização no preparo de alimentos, o azeite perde suas propriedades benéficas e passa a fazer mal à saúde Verdade Segundo Raquel Marques Diniz, professora do curso de nutrição da PUC Minas, o azeite é uma gordura de boa qualidade, que ajuda a reduzir os níveis de colesterol ruim sem diminuir o bom. “Mas, de fato, quando aquecido, ele perde propriedades e passa a ser comparado a um óleo comum. Só que é bom ressaltar que ele não passa a fazer mal, a questão aí é o custo dele, afinal o azeite costuma ser mais caro”. 

Batata-doce - O tubérculo tem sido adotado por quem frequenta academia por conter baixo índice glicêmico, o que significa que ele é digerido de forma mais lenta e dá mais saciedade. Como a digestão da batata-doce libera glicose de forma gradual, evita que seja armazenada no organismo na forma de gordura e dá muita energia para a malhação. Mito batata-doce seca a barriga Verdade “De fato, a batata-doce dá mais saciedade e permite treinar sem picos de insulina, já que ela vai liberando glicose aos poucos. Mas comer só batata-doce vai privar a pessoa de uma série de nutrientes que são encontrados em outros alimentos. Repare na cor de um prato de batata-doce com peito de frango. Não é muito variado”, aponta Rafaelly Cristina Silva, especialista em nutrição esportiva funcional. 

Carboidratos - Lembrados quando se fala em pães, massas, batata e biscoitos, são muitas vezes reconhecidos como vilões por seu potencial em engordar Mitos os carboidratos devem ser retirados da dieta para o emagrecimento Verdade visando perder peso, de fato, é necessário diminuir a quantidade de carboidratos ingerida, assim como das outras fontes de energia: as proteínas e os lipídios, comenta Márcia Monteiro, professora do departamento de nutrição da UFMG. No entanto, segundo ela, também é importante prestar atenção no tipo de carboidrato consumido, dando preferência para os alimentos integrais que apresentam carboidratos complexos e contendo fibras, do que o consumo de carboidratos simples como sacarose. Além disso, a alimentação saudável deve contar com cerca de 60% do nutriente.