Crise sem fim

Ações esconderiam propina da JBS

Operação com construtora serviria para repassar R$ 30 milhões a Pimentel

Por Lucas Ragazzi
Publicado em 24 de maio de 2017 | 10:10
 
 
Joesley Batista teria repassado R$ 30 milhões ao governador Fernando Pimentel

Depois de o empresário Joesley Batista, dono da JBS, revelar, em delação premiada, que teria repassado R$ 30 milhões ao governador Fernando Pimentel através da compra de ações da Minas Arena que pertenciam à HAP Engenharia, o deputado estadual Iran Barbosa (PMDB) ingressou nessa terça-feira (23) no Ministério Público com novo pedido de anulação do contrato entre o Estado e a empresa. Segundo Barbosa, um artigo do contrato de concessão do estádio impede que os sócios da Minas Arena vendam ações nos primeiros dois anos de operação. “O contrato precisa ser anulado. A assinatura (da venda de ações para a JBS) foi feita em 31 de dezembro de 2014, ou seja, ainda estava dentro do período de dois anos em que a concessão administrativa não poderia ser alterada”, argumenta.

A concessionária nega que a J&F e a JBS sejam acionistas do Mineirão. “A Minas Arena esclarece que, para a formalização da compra e venda de ações, são necessárias autorizações em função de contratos financeiros, que não foram apresentadas”, informa em nota. A HAP confirma a venda das ações ao grupo de Joesley Batista e diz que “só foram vendidas ações preferenciais, portanto não se alterou o quadro societário com direito a voto”.

O contrato diz que “a transferência da concessão administrativa somente será autorizada quando as atividades e os serviços estiverem sendo prestados há pelo menos dois anos, e mediante a comprovação do cumprimento regular das obrigações assumidas neste termo”. Em outro ponto do documento, o texto indica que a primeira parcela só é paga após o primeiro mês de exploração comercial. “Logo, a vigência do contrato só começa com a exploração comercial”, argumenta o deputado.

Uma tabela de repasses do governo estadual à Minas Arena, enviada pelo próprio parlamentar e confirmada pela concessionária, indica que a primeira parcela de contrapartida do Estado foi paga em março de 2013 e era referente aos serviços feitos em janeiro do mesmo ano. Com isso, a negociação feita pela HAP em dezembro de 2014 não respeitaria os dois anos firmados em contrato.
Questionada, a assessoria de imprensa da empresa de engenharia afirmou que não houve nenhum tipo de quebra de acordo, visto que a operação da concessão teria sido iniciada em dezembro de 2012 – e, com isso, os dois anos de prazo para a venda das ações se daria exatamente em dezembro de 2014.

Em nota, a Minas Arena confirma que a primeira contraprestação por parte do Estado foi feita em 11 de março de 2013, no valor de R$ 12.341.245,91. No entanto, o pagamento seria composto pela primeira parcela limitada no valor de R$ 7.052.157,54 e a parcela complementar no valor de R$ 5.289.088,37, referente ao período de 21 de dezembro de 2012, data em que, segundo o grupo, se deu o início da exploração comercial, até 31/01/13, conforme previsto no contrato de PPP..

Outras questões

Além do prazo, o contrato, segundo Iran Barbosa, prevê que o governo mineiro precisaria dar aval à eventual venda de ações por parte de membros da concessionária. Já a HAP argumenta que as ações preferenciais da Minas Arena “não são de controle da concessão” e, por isso, poderiam ser vendidas sem aprovação do governo ou da Assembleia Legislativa de Minas.

O governo disse que, como o trâmite para venda de ações se iniciou durante o governo passado, em 2014, a atual gestão irá “verificar se houve consulta à administração estadual durante o processo”.

Choque de versões 

Repasse

Joesley Batista diz que adquiriu, com os R$ 30 milhões, cerca de 3% das ações do estádio que eram de propriedade da HAP Engenharia – uma das empresas que integravam o consórcio Minas Arena.
“O Pimentel me recebeu lá no hangar mesmo, R$ 30 milhões, tudo bem. Para viabilizar, ele me apresentou um sujeito, que era o dono de uma construtora, que me vendeu 3% de um estádio.

Respostas

Em nota, a HAP Engenharia admite a venda de 3% das ações, mas afirma que os “recursos recebidos foram totalmente destinados à operação da construtora, não tendo havido repasse de qualquer parte do montante a político ou partido político”. Sobre a acusação, o governo de Minas informou que o PT é que deveria se manifestar, por se tratar de tema relacionado à campanha. A legenda, por sua vez, nega qualquer irregularidade.

Relação de Fernando Pimentel com HAP é antiga

Esta não é a primeira vez que os caminhos do governador Fernando Pimentel (PT) e da HAP Engenharia se cruzam. O petista é acusado de ter participado de uma triangulação envolvendo a HAP, a Andrade Gutierrez e a Ação Social Arquidiocesana (ASA), que teria resultado num superfaturamento de R$ 9,1 milhões, em 2004, quando Pimentel era prefeito da capital. Amigo do atual governador, Roberto Giannetti, dono da HAP, teria doado R$ 235 mil para a campanha de 2004 do político.
 
Na ocasião, Pimentel contratou a ASA, sem licitação, para construir 1.500 casas populares. A empresa teria subcontratado a HAP e o custo da obra saltou de R$ 12,7 milhões para R$ 26,7 milhões.
 
Em 2011, Pimentel foi acusado de receber R$ 400 mil por uma consultoria. A primeira parcela do pagamento aconteceu dois dias antes de a QA Consulting Ltda, que contratou o serviço, ter recebido R$ 235 mil da HAP. As duas ações tramitam no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). (LR/GC)
 
Rodrigues cogita novo pedido de CPI
 
Com as novas denúncias, deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) tentarão, pela 3ª vez em três anos, instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Parceria Público Privada (PPP) do Mineirão. Desta vez, é o deputado Sargento Rodrigues (PDT) quem encabeça a iniciativa. “Comecei a convocar os deputados para assinar o pedido de abertura de CPI. A denúncia do Joesley é gravíssima e a ALMG não pode ficar quieta quanto a isso”, diz o parlamentar.
 
Em outubro de 2014, parlamentares da base de Pimentel, na época oposição aos governos tucanos, conseguiram reunir o número de assinaturas necessário para abrir a CPI. No entanto, a direção da Casa, nas mãos do PSDB, arquivou o pedido. Primeiro, a ALMG alegou que dois deputados haviam retirado seus nomes. Depois, admitiu que o requerimento possuía 27 assinaturas, mas não havia mais tempo hábil para a instalação antes do fim da legislatura.
 
Em 2015, com a assunção de Fernando Pimentel (PT) ao Palácio da Liberdade, foi a vez de o grupo ligado ao governador trabalhar para impedir a investigação.