Novo desafio

Após vencer prévias, Doria tem que superar desconfiança do PSDB mineiro

Vencedor das prévias tucanos, governador paulista ainda é visto com receio por parte da bancada mineira. Já aliados defendem união do partido para campanha de 2022

Qua, 01/12/21 - 05h00
Doria tenta esconder morador de rua com tela | Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil (03/10/2016)

Escolhido candidato do PSDB à presidência da República para a eleição de 2022, o governador de São Paulo João Doria enfrentará a partir de agora a desconfiança e a resistência de parte dos tucanos mineiros.

Após vencer as prévias, o político paulista atravessou o primeiro obstáculo para sua candidatura. No entanto, se quiser ter um palanque forte em Minas, terá que superar insatisfações que se tornaram públicas durante a disputa interna do partido. Alguns tucanos mineiros defendem a “pacificação” do partido, outros não escondem as críticas a Doria e cobram do paulista uma mudança de atitude para conquistar o apoio mineiro. 

Nas últimas semanas, durante a reta final das prévias tucanas, os embates entre os mineiros e o governador paulista e seus aliados se tornaram públicos e em tom duro. O deputado Aécio Neves chamou Doria de “desqualificado”, após Doria cobrar que o tucano mineiro deixasse o partido e o chamasse de “covarde”. As brigas e ofensas seguiram até as vésperas das votações, com denúncias e acusações dos dois lados. 

Para o deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB), será difícil o governador paulista conseguir superar as brigas das últimas semanas. Ele afirma que precisará partir de Doria a busca pela reconciliação.

“O gesto que tem que ser dado é do próprio Doria. Porque ele teve uma campanha bastante agressiva. Buscou apoio de toda maneira, entrou no Estado e buscou prefeitos através de emissários. Sempre colocou de forma clara, por exemplo, a defesa do expurgo do Aécio. Traz um incômodo a forma como ele trata as pessoas”, reclama o parlamentar. 

Barbosa avalia que existe a possibilidade de que Doria não consiga formar palanques fortes em alguns Estados onde a disputa se escalou nas prévias.

“Particularmente, não acho que a candidatura Doria empolgue o eleitor. Então não vejo que os apoiadores do Doria, mesmo parlamentares, vão assumir uma campanha de Doria. Ele não tem simpatia grande do eleitor. O apelo eleitoral às vezes é diferente da competência para disputar um cargo. E isso vai ser significativo para a bancada, porque cada um acaba pensando no processo da eleição e uma eleição de chapa de deputados do PSDB em Minas. Mas é lógico que tem muita água para rolar”, diz o deputado mineiro. 

Temor de novo 'Lulécio'

O cenário bélico entre os tucanos de São Paulo e de Minas Gerais é parecido com o vivido pelo partido em algumas eleições passadas.

Em 2006, o PSDB tinha como candidato à presidência da República o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que disputava a eleição com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em Minas Gerais, no entanto, os tucanos não embarcaram com força na campanha do paulista. Em uma política conciliatória com Lula, o então governador mineiro Aécio Neves fez uma campanha distanciando-se de Alckmin e surgiu o termo que ficou conhecido como “Lulécio”. 

A divisão interna no PSDB se repetiu na eleição de 2010, quando tucanos paulistas acusavam os correligionários mineiros de fazer uma espécie de “corpo mole” para a campanha presidencial de outro governador de São Paulo, José Serra, na disputa contra Dilma Rousseff (PT). 

“União não pode ser da boca pra fora” 

Para o deputado Domingos Sávio (PSDB), os “erros do passado” não podem se repetir em 2022. O tucano mineiro foi um dos poucos no Estado que apoiou Doria nas prévias do PSDB e defende que o partido deve se unir para fortalecer o nome escolhido internamente.

“Não dá para falar: ‘estamos unidos, mas não vou apoiar o João Doria’. Então você não está unido com o PSDB. Porque o partido tomou sua decisão”, avalia Domingo Sávio. 

“Temos pela frente que trabalhar uma união do PSDB. E essa união tem que se dar de forma respeitosa, mas de forma muito clara, já temos o nosso candidato à presidência da República. Então a união não pode ser da boca para fora, tem que se materializar em atitudes, apoiando o que a maioria do partido escolheu”, diz o deputado. 

Questionado sobre a possibilidade de repetir em Minas o que aconteceu nas eleições de 2006 e 2010, Domingos Sávio avalia que o partido precisa entender o cenário atual e buscar uma coesão interna para voltar a ter protagonismo no Estado e no país.

“O PSDB vem pagando por alguns erros que o próprio partido cometeu. Temos que ter a humildade de reconhecer que é hora de reconstruir o partido. O país precisa de alternativa que saia do radicalismo de extrema esquerda e de extrema direita. Não adianta o PSDB de Minas pensar em caminhar em dissonância com o projeto nacional. Porque, sejamos realistas, o PSDB hoje não é o protagonista da política mineira, então não dá para se dar ao luxo de querer confrontar com o PSDB nacional. Temos que trabalhar em harmonia com o PSDB nacional”, diz o parlamentar. 

‘Terá que aceitar o PSDB de Minas’, diz presidente estadual 

Mesmo com João Doria ganhando em três dos quatro grupos de eleitores nas prévias, o presidente do PSDB em Minas, Paulo Abi-Ackel, avalia que a sigla em Minas saiu vitoriosa no embate travado com o governador de São Paulo na disputa interna do partido.  A bancada mineira apoiou a candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias tucanas. 

“O PSDB sai muito forte dessas prévias. Primeiro, porque parte dos votos que Eduardo Leite, nosso candidato, teve nas prévias saiu da força de Minas. Nós, muito provavelmente, entramos com mais de 98% dos nossos eleitores. Uma prova de união, de coesão, de liderança. O partido está fechado, com algumas exceções obviamente, com a liderança que temos hoje. Então, o PSDB sai muito fortalecido, sendo o Estado em que proporcionalmente no Brasil deu o maior volume de votos para Eduardo Leite”, avalia.

Doria ganhou com 53,99% dos votos dos 29.360 filiados que participaram das prévias partidárias, enquanto Eduardo Leite teve 44,66% e Arthur Virgílio Neto, 1,35%. Leite só ganhou entre no grupo formado por vereadores, deputados estaduais e distritais.

Para o presidente estadual do PSDB, Doria terá que ter “maturidade política para lidar com as coisas que não sejam do seu agrado”.

“Ele terá de aceitar Minas, os mineiros do PSDB e, sobretudo, nosso ex-governador Aécio Neves. Porque já é consagrado que sem Minas não se ganha a presidência da República. Todos os presidentes, em geral, ganham em Minas. No caso dele, será necessário ter a união do PSDB de Minas em torno da candidatura dele. Ele só conseguirá isso se fizer um processo de pacificação. Se Doria insistir com essas rusgas pessoais que ele parece ter, essas implicâncias pessoais, não vai contribuir para um ambiente de unificação, de união”, afirma Abi-Ackel. 

Por meio de sua assessoria, Doria informou que ainda não teve tempo para organizar encontros com as bancadas nos Estados e que cumprirá agendas externas na próxima semana. 

Em seu discurso após vencer as prévias, o governador paulista prometeu trabalhar pela união do PSDB e fez críticas ao governo Bolsonaro e ao ex-presidente Lula.

A reportagem procurou o deputado Aécio Neves, principal desafeto de Doria, para comentar como ele espera que seja a relação com o tucano paulista. No entanto, o deputado não quis se manifestar. 

 

 

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