Câmara de BH

Áudios mostram vereador Flávio dos Santos explicando ‘rachadinha’

Em conversa no gabinete, parlamentar disse que precisava do dinheiro para pagar dívida ao MP

Ter, 21/05/19 - 03h00
Flávio dos Santos, vereador de Belo Horizonte | Foto: Karoline Barreto/CMBH

Áudios obtidos pela reportagem de O TEMPO apontam que o vereador Flávio dos Santos (Podemos) pratica o esquema conhecido como “rachadinha” – expediente de exigir parte dos salários dos funcionários – em seu gabinete na Câmara Municipal de Belo Horizonte. Nas gravações, Flávio fala abertamente sobre o assunto e indica que o dinheiro seria usado para resolver uma pendência fruto de outra irregularidade. As conversas ocorreram no gabinete do parlamentar.

Nos áudios, Flávio diz que usaria o dinheiro arrecadado junto aos funcionários para ressarcir os cofres públicos em R$ 200 mil. A dívida seria fruto de um acordo firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que identificou o uso irregular de verba de uma emenda parlamentar. 

Conforme o vereador explica nas gravações, a emenda da ex-deputada estadual Arlete Magalhães (PV), irmã do vereador afastado Wellington Magalhães (PSDC), era destinada à Fraternidade Espírita Luz, Bondade e Verdade.

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Flávio diz aos funcionários que teve de deixar a presidência da fraternidade, transformada em ONG para ter acesso a recursos públicos, e um de seus novos diretores teria cometido irregularidade (superfaturamento) numa licitação para a compra de equipamentos para uma sala de informática.

“Coloquei alguém que eu confiava, mas quando viu 181 mil conto (sic) na conta, fizeram só um orçamento. E eu, não sabendo de nada, deixei por conta deles para não me envolver. E uma das pessoas fazia parte daqui (da fraternidade), e a outra era novata, e eu nem conhecia direito, parecia ser um homem íntegro e tal, e foi onde afundei. Fizeram as cagadas todas com os orçamentos, todos fraudulentos e mandou (sic) para a Cidade Administrativa. Ele chegou para mim um dia e disse que já tinha pegado quatro cheques avulsos e, amanhã, iam chegar as compras. Isso era de manhã. Aí, à tarde, recebo três visitas lá da Cidade Administrativa bloqueando tudo. E ele já estava com quatro cheques na mão”, contou Flávio a interlocutores na gravação.

O vereador continua a explicar que o dinheiro teria sido usado para comprar 48 computadores, 60 mesas, 60 cadeiras e duas TVs para a ONG e que ele poderia ir para a cadeia junto com Arlete Magalhães se não firmasse um acordo com o MP, que, a esta altura, já estava a par da situação fraudulenta. “Então, mandei as meninas irem lá fazer acordo, foi feito com uma inicial de R$ 25 mil e outras cinco (parcelas) de R$ 35 mil”, continuou o vereador.

‘Ajuda’

Diante da dívida de cerca de R$ 200 mil (com os juros), Flávio resolveu dividir o problema com os funcionários de seu gabinete, aos quais chamou, em diversos momentos, de “desunidos”. Resolveu demitir alguns e, no lugar, colocar pessoas de confiança que lhe devolveriam o pagamento, configurando a rachadinha. Conforme ele disse nas conversas, algo comum em todos os outros gabinetes, mas com o nome de reserva de campanha, visando arrecadar recursos para pleitos futuros.

“Eu tô pagando 35 mil conto por mês (sic). Se nós tivéssemos união, os 18 do gabinete, se cada um tirasse R$ 1.000 por mês e me ajudasse, ia facilitar e não ia fazer falta. Eu não tenho como pagar, se somar os ordenados (que recebo) dá R$ 22 mil, e preciso de mais R$ 13 (mil) pra ficar sem nada. A minha missão é, durante seis meses, não colocar ninguém (para preencher vagas) e pegar alguém e somar dois vencimentos para ele me repassar R$ 4.000 para ajudar a pagar essa dívida. Hoje eu tô precisando. Cadê a colaboração de todo mundo?”, reclama.

Procurados, nem Flávio dos Santos, nem Arlete Magalhães foram encontrados para se manifestarem sobre os episódios.

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Queixa

Nas gravações de conversas a que O TEMPO teve acesso, o vereador ainda sugere que a iniciativa para que fosse feita uma “vaquinha” deveria ter partido dos funcionários, mas volta a reclamar que ninguém se manifestou. “Isso não podia partir de mim. Tinha que partir de um deles ou até do chefe de gabinete. ‘Nós não dependemos da fraternidade, e ele (Flávio) tá devendo R$ 193 mil, por que não fazer uma vaquinha de todo mundo durante seis meses e pagar?’ Num iam pagar tudo, não, iam pagar metade, mas ninguém se posiciona, eu que tenho que me virar, eu que tenho que dar meus pulos, eu que tenho que ver aonde acho uma gretazinha para buscar alguma coisa pra me ajudar”, argumentou, dizendo que sem os equipamentos para a ONG não conseguiria a reeleição.

Reeleição

Nas gravações, Flávio dos Santos disse que, caso não seja reeleito no ano que vem, vai exonerar todos para que fiquem sem salários de outubro a dezembro. Ele ainda garantiu que, se isso ocorrer, não fará mais nada na função de vereador da capital, além de receber. Vou falar com todo o gabinete: ‘A eleição é dia 1º de outubro e, às sete da noite, se eu perder a reeleição, exonero todo mundo, de cabo a rabo, e em outubro, novembro e dezembro todo mundo vai ficar sem dinheiro. Que se lasque o mundo. Isso vai ser prova de que não se empenharam em meu favor, então exonero todo mundo. E hoje nossa reeleição está facílima. Temos condições de ter 10 mil votos, mas cada um tem que fazer sua parte. (Caso contrário) os três meses restantes vai ficar (sic) eu e mais um, porque não vou querer saber mais de gabinete, mais nada. Vou pegar meu dinheirinho e tchau. Mas, se Deus ajudar e renovar o mandato, aí é outra coisa”, completou.

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