Áurea Carolina

Áurea Carolina é deputada federal pelo PSOL-MG

Gabinetona

Mais escolas, menos cadeias

Publicado em: Qui, 15/10/20 - 03h00

O encarceramento em massa é uma política falida. Neste dia em que homenageamos as professoras e professores, deveríamos estar celebrando a prioridade a uma educação emancipadora e comprometida com o fim das desigualdades. Em vez disso, vemos o Estado mostrando sua face mais violenta contra a juventude negra e pobre. A prisão não vem sozinha: se insere em trajetórias marcadas pela falta de direitos, pelo racismo e pela criminalização constante dos corpos negros, ao ponto em que até as escolas vão ganhando cada vez mais grades e se assemelhando a cadeias.

Está patente que essa política não é capaz de melhorar a segurança para a população e que seus custos, financeiros e humanos, são insuportáveis. Na audiência pública sobre o sistema prisional, que realizamos pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 8 de outubro, recebemos diversas denúncias que evidenciam isso. O anúncio de retomada das visitas com limite de 20 minutos nas unidades em regiões classificadas como Onda Amarela pelo programa Minas Consciente causou revolta entre familiares, após seis meses sem esse contato. Em muitos casos, as famílias precisam fazer grandes deslocamentos para chegar às unidades. Isso se agravou com as transferências, que, mesmo sob a pandemia, aumentaram 60%. As visitas são um direito das pessoas privadas de liberdade, como forma de manter seus vínculos e facilitar sua reinserção. Além disso, é nesses momentos que vêm à tona relatos sobre a situação dentro dos presídios.

Se a preocupação que leva a essas restrições é com as condições sanitárias, torna-se ainda mais incoerente a falta de água, não se sabe se por descaso ou por projeto. Diversas testemunhas trouxeram casos de unidades com apenas alguns minutos de água por dia. A resposta do governo estadual, representado pelo secretário adjunto de Segurança, Gustavo Tostes, tem cor, cheiro e gosto de fake news: que não há racionamento, mas controle do desperdício de água, e que haveria unidades em que água ficava correndo sem motivo a não ser “acalmar os presos” com sons de cachoeira.

Falar de saúde também envolve falar da qualidade da comida servida. Tanto entre os presentes na mesa da audiência como na participação online são recorrentes e reiteradas as denúncias de que a comida servida chega azeda e estragada. Os movimentos sociais apontam que os contratos para fornecimento de alimentação têm valores altíssimos diante da péssima qualidade e desconfiam da forma como são feitos esses contratos. De fato, se o encarceramento não beneficia a sociedade, certamente há os que lucram com ele.

Todos esses elementos são formas de tortura, às quais se somam os castigos corporais. É preciso mais uma vez negritar que a legislação brasileira prevê unicamente a privação de liberdade como pena e que tortura é crime hediondo. É inaceitável que em nome de combater o crime o Estado se torne, ele mesmo, criminoso!

A resposta do governo a essas diversas queixas é justamente o tamanho do sistema prisional, que torna a logística extremamente complexa. São cerca de 60 mil pessoas. Essa é mais uma prova da inviabilidade da política de encarceramento em massa. A medida mais efetiva para a prevenção do coronavírus nas prisões foi o projeto de lei que aprovamos para transição para penas em regime aberto nos casos em que fosse cabível e para aqueles com agravos à saúde que os colocassem no grupo de maior risco. Com a medida, cerca de 8.000 pessoas foram colocadas em liberdade devido à pandemia até 4 de maio. Dessas, apenas 2% foram presas novamente por algum fato novo. Também cabe destacar que a criminalidade não aumentou nesse período. A prisão é uma máquina cruel que precisa ser desmontada.

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