Áurea Carolina

Áurea Carolina é deputada federal pelo PSOL-MG

Opinião

Negar o racismo não o faz sumir

Publicado em: Qui, 26/11/20 - 03h00

Na véspera do 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, acompanhamos estarrecidas o assassinato de João Alberto Freitas por seguranças do Carrefour em Porto Alegre. Ao comentar o caso, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que “no Brasil não existe racismo”. Jair Bolsonaro referiu-se às denúncias de racismo como tentativa de fabricar “conflito” e que o lugar de “quem prega isso” é “no lixo”. Reverberando o mito da democracia racial, vice e presidente reeditam a prática da ditadura militar de perseguição aos movimentos negros e aprofundamento do racismo estrutural. 

O governo nega uma das principais causas da injustiça na nossa sociedade, condição geradora de desigualdade social, econômica, política e no acesso a direitos da população negra e do genocídio de nossa juventude. O desprezo com a questão racial se desvela em números. De acordo com estudo técnico feito pela bancada do PSOL na Câmara dos Deputados com base em informações fornecidas pelo próprio governo, em 2020, a verba federal para ações contra desigualdades raciais foi equivalente a 2% do investimento de 2011. Nos dez anos anteriores ao início da atual gestão, a média de gastos com ações afirmativas foi 14 vezes maior.

São vários os exemplos de como esse projeto político racista e negacionista opera. Um deles é a nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Palmares. Camargo instituiu uma gestão pautada pela perseguição a funcionários ligados à luta antirracista e desmonte da estrutura da fundação. Entre os muitos atos de perseguição ideológica, num inacreditável boicote a representantes da memória e da cultura negra brasileira, a Fundação Palmares anunciou que no dia 1º de dezembro entrará em vigor uma portaria que retira nomes como os de Elza Soares, Zezé Motta e Gilberto Gil da sua galeria de homenageados. Sérgio Camargo, que nega a existência de racismo no Brasil, também negou o perigo da Covid-19 e incitou a população brasileira a interromper as ações de distanciamento social.

A pandemia, vale dizer, evidenciou tristemente a desigualdade racial no nosso país. Segundo dados da Faculdade de Medicina da UFMG, negros são os que mais morrem por Covid-19 em função de condições socioeconômicas e piores acessos aos serviços de saúde. E, de acordo com o IBGE, 71% das pessoas que perderam o emprego no primeiro semestre deste ano são negras.

As ações afirmativas na educação são outro exemplo da arquitetura da destruição produzida pelo governo Bolsonaro. Em junho deste ano, o Ministério da Educação revogou a portaria que incentiva cotas na pós-graduação. Uma pressão de estudantes, professores, representantes dos movimentos negros e outras entidades e parlamentares da oposição fez com que o ministério voltasse atrás.

O governo Bolsonaro também vem perseguindo populações indígenas e quilombolas por meio da tentativa de retirada de direitos, desmonte de políticas públicas e órgãos de proteção, incentivo e descaso com os conflitos no campo e ações de expulsão de territórios tradicionais. 

Diante desse cenário, precisamos agir com ainda mais urgência. Ao lado de outras parlamentares negras e negros, integro a comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanha os desdobramentos do caso do assassinato de João Aberto e que tem como foco o enfrentamento do racismo institucional junto a órgãos de segurança pública e privada.

Nesse mesmo 20 de novembro, a bancada do PSOL protocolou requerimento para colocar novamente em votação o PL 5.885/2019, que trata dessa questão. Este é um dos dez projetos da bancada da qual eu faço parte que incidem contra as desigualdades raciais no país.

Seguimos firmes na defesa de conquistas históricas do povo brasileiro, na denúncia do racismo e na oposição ao governo Bolsonaro. Viva o legado de Zumbi e Dandara!

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