Áurea Carolina

Áurea Carolina é deputada federal pelo PSOL-MG

Povos indígenas enfrentam uma agenda de retrocessos

Publicado em: Qui, 18/04/19 - 03h00

No mês da resistência indígena, temos pouco a celebrar. A agenda de retrocessos imposta pelo governo Bolsonaro tem intensificado as violações de direitos dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais no Brasil. Tal agenda, aliada à promoção do discurso racista, tem potencializado a criminalização e a vulnerabilização desses povos e ampliado a necessidade da luta pela garantia ao território e acesso à saúde e à educação.

Uma das medidas do Planalto veio no primeiro dia deste ano: foi retirada da Funai a atribuição de identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país, que passou a ser responsabilidade do Ministério da Agricultura, comandado pela ministra Tereza Cristina, uma líder ruralista. Trata-se de um aprofundamento perverso do esvaziamento do órgão, criado em 1967, e um ataque direto às vidas e aos direitos dos povos indígenas. A mesma medida provisória (870/2019) alterou a política de identificação e demarcação de territórios quilombolas, atividade que foi retirada do Incra e repassada também ao Ministério da Agricultura. A pasta é historicamente – e, agora, ainda mais – dominada pelos interesses dos ruralistas e do agronegócio, o que coloca em xeque a possibilidade de expansão das reservas e dos territórios desses povos. Parafraseando o dito popular, é colocar a raposa cuidando do galinheiro.

Recentemente, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou que avaliava extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e repassar parte dos atendimentos a Estados e municípios. A mobilização de povos indígenas por todo o país obrigou Mandetta a recuar da decisão.

Em Minas Gerais, a situação não é melhor. As comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, que vivem às margens dos rios Doce e Paraopeba, tiveram potencializada sua condição de vulnerabilidade desde os crimes da Samarco/Vale e da Vale. Em 2015, o mar de lama que matou o rio Doce afetou sobremaneira o povo Krenak, para quem o rio, o Watu, era sagrado, além de fonte de lazer e de trabalho. Mantendo uma relação bastante similar com o rio Paraopeba, o povo Pataxó da Retomada Indígena Naô Xohã, em São Joaquim de Bicas, a 22 Km de Brumadinho, teve seu modo de vida ameaçado e radicalmente transformado pelo crime socioambiental de janeiro de 2019.

Minas viu sua política especial de atenção à educação indígena – com escolas, pedagogias e professores próprios – ser interrompida pelo governo Zema. Nesse sentido, é necessário comemorar a iniciativa da Prefeitura de Bertópolis, no Vale do Mucuri, que contratou um professor Maxakali para dar aulas de cultura indígena na escola do município para crianças não indígenas. A iniciativa visa aproximar a comunidade da cultura Maxakali, dirimir preconceitos e estabelecer pontes. Uma exceção nestes tempos sombrios. 

Para fortalecer a resistência democrática das comunidades tradicionais no Estado foi criada, no âmbito da Assembleia, a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, Quilombolas e Demais Comunidades Tradicionais. A frente atuará promovendo o acesso desses povos “às políticas públicas e a participação de seus representantes nas instâncias de deliberação, fiscalização e controle social das ações governamentais, especialmente no que se refere a projetos que envolvam direitos, interesses e os territórios dessas populações”. 

Nossos passos vêm de longe, e os povos indígenas, que há tanto perduram nesta terra, seguirão em resistência, com a força da cultura e da ancestralidade e sem aceitarem retrocessos. Como nos ensina Avelin Buniacá Kambiwá, a palavra de ordem é “erecatu”. Avante!

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