Congresso em pauta

Bolsonaro quer facilitar acesso a armas via projetos e decretos

Textos, em estágios diferentes na Câmara e no Senado, são considerados prioritários pelo Planalto. Presidente tem pressa em mudar regras para cumprir promessa de 2018

Qua, 17/02/21 - 06h00
A Resolução reduz a alíquota do imposto de 20% para zero | Foto: Twitter/Reprodução

Entre as 35 propostas consideradas prioritárias para a análise do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro listou duas que podem, entre outras coisas, facilitar o acesso a armas, flexibilizar o porte e aumentar o número de munições que cada pessoa pode ter. Os Projetos de Lei (PLs) 3.723/2019 e 6.438/2019 estão em estágios diferentes de tramitação e já foram “atropelados” por decretos do chefe do Executivo que tratam do mesmo assunto.

Em junho de 2019, ainda com o então ministro Sergio Moro à frente da pasta da Justiça e Segurança Pública, o governo enviou à Câmara dos Deputados o PL 3.729. O texto, que previa novas regras para a posse, porte e comercialização de armas de fogo, passou por alterações, mas foi aprovado na Câmara no final daquele ano. Desde então, não avançou no Senado. 

Na mesma época, o governo apresentou outra proposta, o PL 6.438, que concedeu autorização para várias categorias de servidores públicos portar armas. O texto também concedeu o porte a caçadores e colecionadores. Sem definição de relatores em comissões, o texto segue estacionado na Câmara.

Os dois projetos apontados pelo Planalto como prioritários para mudar as regras do uso de armas no país alteram o Estatuto do Desarmamento, de 2003. 

O que gera confusão é que, entre enviar os textos e esperar a tramitação deles no Congresso, Bolsonaro editou decretos que tratam, basicamente, das mesmas regras que pretendia alterar com as propostas enviadas. Os primeiros decretos foram editados ainda em 2019, e os últimos, na sexta-feira passada. 

O “vai e vem” dos decretos levou quatro senadores – Major Olimpio (PSL), Flávio Bolsonaro (Republicanos), Soraya Thronicke (PSL) e Fernando Bezerra (MDB) – a apresentar outra proposta enquanto o texto tramitava na Câmara. 

O PL 3.713/2109, que não ganhou status de prioritário, passou a incluir várias medidas que já haviam sido tratadas em decretos editados pelo presidente e estavam no PL 3.723/2019, sem as alterações feitas pelos deputados. As duas propostas podem ser juntadas e tramitar em conjunto, caso haja pedido dos senadores.

A pressa em conseguir fazer valer essas modificações nas regras para posse e porte de armas no país é para cumprir uma promessa de campanha. Em 2018, Bolsonaro se comprometeu com seus apoiadores que ia modificar o Estatuto do Desarmamento para deixar a lei menos restritiva.

Para o deputado Major Vitor Hugo, líder do PSL na Câmara e que foi líder do governo nos dois primeiros anos da gestão de Bolsonaro, tanto os projetos de lei apresentados pelo governo quanto os decretos seguem “exatamente à risca” o que foi prometido pelo presidente na campanha eleitoral.

O parlamentar também apresentou outro projeto, que facilita a compra de armas pelos cidadãos comuns, mas esse texto não entrou nas prioridades do Planalto. 

"É extremamente oportuno que a gente discuta esses temas agora. Na minha visão, o presidente não extrapolou de forma alguma seu poder regulamentar, agiu estritamente nos limites que a lei permite. E todos já sabiam que ele tomaria essas medidas, porque foi bandeira de sua campanha. Temos dois projetos que poderão alargar ainda mais essa capacidade de ação do presidente, flexibilizando o acesso do cidadão às armas de fogo: o 3.723, que já passou na Câmara e está no Senado, e também o 6.438, mais voltado para as categorias públicas, que está na Câmara”, explica Vitor Hugo. 

Segundo ele, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP) – que não se manifestou ainda a favor ou contra a flexibilização das armas –, tem demonstrado que vai atender os pedidos dos líderes partidários e pautar os temas defendidos pela maioria, o que pode acelerar a votação na Casa. 

Nesta semana, Lira avaliou que Bolsonaro não invadiu as prerrogativas do Parlamento ao editar novos decretos, mas disse que cada um tem sua prioridade, e a dele, no momento, seria a vacinação contra a Covid. 

“É preciso que a gente enfrente temas com muito desassombro e sem preconceitos. A esquerda e parte da imprensa criaram uma narrativa muito ruim sobre a questão do acesso às armas, mas, conforme as mudanças forem sendo discutidas, essas narrativas serão quebradas”, afirmou Vitor Hugo.

Mudanças podem trazer insegurança jurídica

Para o especialista em direito penal e constitucional Acacio Miranda da Silva Filho, a gestão de Jair Bolsonaro extrapolou sua atuação ao editar os decretos sobre as armas. 

“A Constituição determina que o chefe do Executivo tem poder regulamentar de todas as legislações, inclusive do Estatuto do Desarmamento. Significa que ele pode regulamentar aquilo que está expresso na lei, mas não pode ir além do que foi disposto no estatuto. Mas Bolsonaro tem mitigado um pouco essa regra, e, por isso, surgem as discussões se ele estaria legislando por meio de decretos”, avalia o especialista.

Segundo ele, as alterações nas regras dos últimos anos podem causar insegurança jurídica. “Os decretos estabelecem um precedente perigoso. Por exemplo, aquele que é detentor do direito de possuir armas em um clube de tiro não poderia trazer a arma consigo livremente, ele precisa emitir uma guia quando estiver indo ao clube. Com o decreto novo não há essa necessidade. Então cria-se uma situação de dúvida. Foi criada uma modalidade de porte que não existia. Isso reverbera uma insegurança jurídica tremenda. Na mesma situação, uma pessoa pode ser condenada, e a outra, absolvida”, diz Miranda.

Novas regras dificultam o controle

As propostas defendidas pelo governo sobre a liberação de armas recebem críticas de entidades e especialistas da área de segurança pública. 

Segundo Michele Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, o governo federal precisa responder sobre o descontrole da circulação de armas no país. “Muitas dessas medidas facilitam sobremaneira a aquisição de armas e munições por organizações criminosas e cidadãos envolvidos na prática de crimes e prejudicam a já deficiente capacidade de investigação dos crimes violentos e contra a vida pelas forças de segurança”, afirmou Michele.

O instituto também criticou a publicação dos decretos que facilitam o acesso às armas em meio à pandemia.

Carregando...

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.