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Câmara de BH aprova projeto que altera o Plano Diretor

A proposta da prefeitura recebeu 33 votos favoráveis e sete contrários. O texto altera a outorga onerosa e incentiva ocupação do Centro da capital

Por Gabriel Ronan
Publicado em 24 de março de 2023 | 14:54
 
 
Com a mudança, votações na Casa passam a ocorrer sempre de forma nominal, ou seja, com o registro do voto de cada parlamentar no painel eletrônico Foto: Gabriel Ronan/O TEMPO

A Câmara de BH aprovou, na manhã desta sexta-feira (24/3), o Projeto de Lei 508/2023, que altera o Plano Diretor da capital mineira, aprovado em 2019. A votação da matéria de autoria do Executivo aconteceu em primeiro turno em duas sessões extraordinárias, após apenas 21 dias de tramitação e pedidos do Ministério Público e da Defensoria Pública negados. As principais mudanças são a diminuição da taxa da outorga onerosa (entenda mais abaixo) e o incentivo à ocupação do Centro de BH. 

Foram 33 votos favoráveis à proposta – a partir de uma união entre vereadores da base governista e da oposição – e sete contrários. Votaram contra os vereadores da esquerda, como já era esperado. São eles: Pedro Patrus (PT), Bruno Pedralva (PT), Cida Falabella (Psol), Iza Lourença (Psol) e Wagner Ferreira (PDT). Os parlamentares Dr. Célio Fróis (PV) e Miltinho CGE (PDT), ambos integrantes da base de governo, completaram a lista dos opositores ao texto.

Os vereadores da esquerda apresentaram oito requerimentos para suspender e tirar velocidade da tramitação do projeto, mas não tiveram sucesso na aprovação deles. Um dos requerimentos exigia a votação nominal, para que os votos sobre os recursos fossem registrados no painel da Casa. Mas, não houve aprovação. "Quero que todo mundo que esteja acompanhando consiga ler o que os vereadores votaram", pediu Pedro Patrus. 

A vereadora Iza Lourença, em conversa com a reportagem, criticou a tramitação acelerada, em apenas três semanas. "Nós sabíamos que esse projeto tinha a maioria para a aprovação, mas a discussão está se dando de maneira totalmente atropelada. Não está seguindo o rito normal de todos os projetos de lei. Se seguisse, poderia ir a plenário já no início de abril. Mas, eles quiseram adiantar para não dar tempo de discutir. Usamos seis horas de obstrução para fazer a discussão. Infelizmente, o que a gente viu foi um monólogo da esquerda, porque os vereadores que votaram a favor não tiveram a coragem de se posicionar no microfone", disse.

Outro que criticou a matéria foi o vereador Wagner Ferreira, do PDT. Ele também votou contra e participou da obstrução ao texto em plenário. "É um projeto liderado pela elite política da cidade. Não houve debate. Essa discussão aqui afeta além do perímetro da avenida do Contorno. Milhares de pessoas estão morando em áreas de risco geológico e precisam de moradia popular. O projeto chegou em 3 de março e hoje, dia 24 de março, já temos uma sessão extraordinária numa sexta-feira para votar em primeiro turno. Essa Casa não pode amplificar a violação de direitos das pessoas. Ainda teremos apreciação conjunta das comissões em segundo turno", afirmou.

Já Bruno Miranda (PDT), líder da base de governo, afirmou que a votação nominal nunca aconteceu na análise de requerimentos. “Sempre que há análise de recursos na Casa, a votação é simbólica. Somente as votações das proposições contam com voto nominal”, disse. O pedetista também disse no plenário que a discussão sobre o projeto será feita após a aprovação em segundo turno, o que causou revolta nos vereadores da esquerda.

O que é outorga onerosa?

A Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) é uma taxa que todo empreendedor que deseja erguer um imóvel precisa pagar caso queira ultrapassar o coeficiente máximo previsto para uma construção naquele espaço específico. 

Por exemplo, caso o Plano Diretor permita uma construtora erguer um edifício de apenas 10 metros de altura, mas o projeto indica uma construção de 20 metros, a empresa precisa pagar uma quantia à Prefeitura de BH, via OODC, para receber o aval. 

Portanto, o que o PL aprovado nesta sexta-feira faz é diminuir essa cobrança. Daí, as denúncias dos especialistas e ambientalistas de que o texto é um aceno ao setor da construção civil.

PM na Câmara

Do lado de fora, houve muita fila para a entrada de cidadãos, integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e membros da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Já na espera para entrar na Casa, uma assessora do presidente da Fiemg Flávio Roscoe bateu boca com dois integrantes do MLB.

Já durante as atividades em plenário, duas integrantes do MLB acusaram um homem de injúria racial e machismo. O caso aconteceu nas galerias do plenário da Câmara de BH, durante uma tensa discussão entre o vereador Bruno Pedralva (PT), que é contra a proposta, e o presidente da Casa, vereador Gabriel (sem partido). 

“Eu fui atacada e desmoralizada como mulher preta que sou. Um rapaz começou a me atacar durante a minha fala. Ele mandou eu calar a boca e me chamou de ‘neguinha’. Fez gestos de arma pra mim. Falou que eu sou feia e que eu precisava ficar calada. A outra companheira que estava comigo pediu para que ele ficasse calado. Ele disse: ‘cala a boca, sua barriguda’”, afirma Liliana Ramos, moradora da ocupação do MLB na rua Rio de Janeiro, na capital mineira. 

Ouvido pela reportagem, Gustavo Lemos Ferreira, o homem acusado por Liliana, negou a versão da integrante do MLB. “Eu jamais faria isso (injúria racial), ainda mais na casa do povo. Tinha uma moça à minha direita, toda hora falando que o presidente Gabriel era gay, era viado. Eu falei com ela: ‘isso é homofobia. Isso é crime’. Depois disso, começou uma aglomeração, e eles me chamaram de diversas coisas, que eu não sei o que (são). Falaram que eu era gay também”, afirmou o homem. Ele disse à reportagem que não é integrante de empresa alguma, apesar de estar cercado de assessores vinculados à Fiemg.

Especialista critica projeto

A votação aconteceu em um cenário de críticas ao projeto. Só nesta semana, a Câmara recebeu dois pedidos para suspender a tramitação do projeto: um do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o outro da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG). 

Também houve manifestação de um grupo de 29 arquitetos e urbanistas, que condenaram a matéria, principalmente pelo incentivo à ocupação do hipercentro da cidade. Essa diretriz específica vai na contramão do defendido pela primeira edição do Plano Diretor, sancionada pelo ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD) em 2019. 

Para o professor Sílvio Motta, presidente em Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil, o projeto vai na contramão do que é definido pelas diretrizes dos planos diretores. "Não é momento de rever isso. O Plano Diretor só pode ser revisto nas conferências urbanas, onde se garante a participação democrática, que não está sendo respeitada", diz. 

Ainda segundo o especialista, a análise do texto indica para uma renúncia fiscal da prefeitura. "É um PL que traz muitos prejuízos para a cidade. Há uma redução de previsão da arrecadação, que é um dinheiro muito importante para o desenvolvimento social, ambiental e econômico. É uma redução de 50% do valor da outorga onerosa, que é um recurso totalmente destinado a moradias populares e melhorias de bairros", completa.