Impasse

Precatórios: entenda o que se tornou uma dor de cabeça para o governo

Proposta que trata do pagamento de R$ 89 bilhões em dívidas da União e banca o Auxílio Brasil esbarra na falta de consenso na Câmara dos Deputados

Por Lucyenne Landim
Publicado em 30 de outubro de 2021 | 08:00
 
 
Câmara dos Deputados Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A palavra "precatórios" virou holofote quando, há quase três meses, o governo federal apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto. De lá para cá, a pauta virou conflito político e já teve a votação adiada duas vezes na Câmara dos Deputados – a terceira tentativa de análise será na quarta-feira (3). É a aposta, também, para o pagamento do Auxílio Brasil, programa social que vai substituir o Bolsa Família com valor de R$ 400 até o final de 2022. Apesar de estar em alta, o assunto ainda confunde a cabeça de quem tenta entender.

Precatórios são títulos entregues a pessoas físicas ou jurídicas que tenham vencido ações judiciais contra o poder público. Essa ações são de pagamento obrigatório e precisam estar na condição de trânsito em julgado, ou seja, sem a possibilidade de recursos e ou de qualquer revisão na condenação. Os precatórios estão, inclusive, estabelecidos na Constituição Federal.

Exemplos de ações são cobranças de impostos ou multas considerados inadequados pelo contribuinte ou uma empresa, e até contra decisões de órgãos do governo, a exemplo de aposentadorias ou benefícios do Instituto Nacional de Seguridade (INSS). Dessa forma, é possível acionar a justiça e, em caso de ganho, o setor público é obrigado a fazer o ressarcimento por meio dos precatórios.

A discussão entre a equipe econômica, a Câmara e o Senado, com a apresentação da PEC, começou em busca de uma solução para o pagamento de R$ 89,1 bilhões da União somente em 2022. A ideia do relator, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), é abrir os cofres públicos para o pagamento de apenas R$ 40 bilhões e acumular o saldo restante para anos seguintes.

Com a regra do teto de gastos, que define um limite para as despesas públicas por 20 anos desde 2017, o governo não teria dinheiro para bancar o Auxílio Brasil caso pagasse o valor integral devido. O programa é considerado prioritário por ser a bandeira social do presidente Jair Bolsonaro a menos de um ano das próximas eleições. Além disso, as negociações em torno do valor a ser pago no próximo ano se deram pela conta ser maior do que a usual. Em 2021, são devidos R$ 53 bilhões já previstos no Orçamento.

O professor de contabilidade da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em custos e governança pública, Marilson Dantas, ouvido por O TEMPO, afirma que a diferença de volume não deveria ser justificativa. “Uma decisão judicial não nasceu ontem. Para ser transitada em julgado, ela percorreu todo o processo jurídico. Então há um conhecimento desse processo. Sabe-se que o governo está com várias litigâncias ao longo dos períodos e que há uma expectativa de ganhar algumas e perder outras. Então ele precisa prever esses recursos dentro do Orçamento”, explica.

Protelar os pagamentos para reservar recursos para outras finalidades, na avaliação de Dantas, é resultado de uma fragilidade de gestão, cria inseguranças jurídicas e demonstra falta de compromisso do governo. “Imagina eu ter insegurança de não poder receber isso de maneira adequada e não ter ideia de que período eu devo receber. Isso fragiliza muito a confiança tanto das pessoas físicas quanto jurídicas e a confiança das entidades externas ao país. Em tese, ele tem que pagar aquilo que foi ganho pela outra parte. Da mesma maneira, o contrário. Se o governo ganha uma ação contra alguém, aquela pessoa tem que fazer o pagamento”, destaca.

Adiar a situação dos precatórios como uma medida paliativa, de acordo com o professor de contabilidade, além de ser uma medida inadequada, atinge a longo prazo o país e a recuperação econômica. “Porque cada vez que eu aumento minha dívida, que eu postergo um pagamento, eu estou criando dívida para o futuro. E isso afeta o crescimento, a expectativa das pessoas, das empresas, dos organismos internacionais, mostrando que o Brasil não vai se recuperar muito fácil e não tem, na verdade, a capacidade de fazer uma gestão adequada das suas dívidas, dos seus compromissos”, frisa.

Marilson Dantas lembra que a população também é prejudicada pela alta na inflação, impulsionada pelo acúmulo de dívidas. “O resultado disso é o descontrole do dólar. A inflação está subindo e se nós continuamos gastando sem planejamento, desorganizando um processo de recuperação e diminuição da dívida, a tendência é o descontrole da inflação ao longo do tempo. Isso afeta diretamente a população”, conclui.

O uso dos precatórios para o Auxílio Brasil também virou impasse por conta da manobra para furar o teto de gastos, incluída dentro da PEC, e viabilizar o programa social como o governo deseja. Uma mudança no cálculo do teto, medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), pode destravar mais R$ 43 bilhões no Orçamento e deixar R$ 83 bilhões livres para bancar o Auxílio Brasil. Sem consenso pela possibilidade de configurar crime de responsabilidade, a alteração está travando o avanço da pauta.

O TEMPO agora está em Brasília. Acesse a capa especial da capital federal para acompanhar o noticiário dos Três Poderes.