Revelações

Delação de Valério implica novos personagens em Minas

Operador do mensalão também citou compra de apoio por Clésio

Qua, 26/07/17 - 03h00

A delação premiada feita pelo empresário Marcos Valério, operador do mensalão petista e do mensalão mineiro, em acordo com a Polícia Federal, atinge em cheio políticos de Minas que, até então, não apareciam entre as principais figuras dos casos, como o ex-secretário de Estado de Governo Danilo de Castro (PSDB), o ex-deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Mauri Torres (PSDB) e o ex-ministro dos Transportes e ex-deputado Anderson Adauto (sem partido).

De acordo com os anexos da delação, obtidos por O TEMPO, o então presidente da Assembleia de Minas Gerais (ALMG), deputado Mauri Torres, teria solicitado um empréstimo de alto valor ao publicitário Ramon Hollerbach Cardoso, sócio de Valério nas agências SMPB e DNA Propaganda, para comprar um apartamento na avenida Olegário Maciel, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.

"Como o valor era um pouco alto, resolvemos, junto com o Banco Rural, fazer um empréstimo com o aval dele. Mas aí surgiu uma demanda do secretário Danilo de Castro, que era para ajudar, além do Mauri Torres, ele próprio e o governador de Minas”, escreve Valério no anexo 31 da delação. O chefe do Executivo mineiro era Aécio Neves (PSDB). “Fizemos um financiamento numa quantia maior e repassaríamos todos os valores em dinheiro para Mauri e Danilo”, diz o documento.

De acordo com a delação do publicitário, no entanto, após o escândalo do mensalão petista estourar, o esquema de repasses precisou ser refeito, com Valério e os sócios pagando o financiamento do apartamento e realizando os repasses com dinheiro vivo oriundo “dos próprios bolsos”: “A partir daí, ficou acertado que o sr. Oswaldo Borges da Costa (ex-presidente da Codemig) iria providenciar o pagamento de tudo e quitar o empréstimo fraudulento feito com o Banco Rural para dar um ar de legalidade à operação”.

Repasses na Assembleia. Marcos Valério também afirma ter realizado repasses ao ex-ministro Anderson Adauto na época em que ele havia se tornado presidente da ALMG, em 1999. “Quando ganhamos a conta de publicidade da ALMG, passamos a fazer os repasses para uma conta em nome de Anderson Adauto”, conta o empresário.

Ainda segundo Valério, durante todo o tempo da presidência de Adauto na ALMG (1999 a 2001) foram destinados recursos para compra e reforma de um apartamento em Belo Horizonte. “Os recursos foram entregues em dinheiro vivo para pagar as despesas de mão de obra do apartamento, além do material de construção”, completa.

Composição. Na delação, o publicitário conta que, na disputa ao governo de Minas em 1998, o ex-senador Clésio Andrade teria pagado diversos deputados da base governista na ALMG para que ele fosse indicado como vice na chapa de Eduardo Azeredo (PSDB), que tentaria a reeleição.

Valério cita o nome dos deputados Carlos Melles, Bilac Pinto, Sebastião Costa e Paulo Piau como supostos recebedores desses repasses. Além destes, teriam sido realizados pagamentos a pessoas ligadas a Azeredo para “convencê-lo” a aceitar a indicação de Clésio Andrade, como o ex-deputado Amilcar Martins. (Com Bernardo Miranda, Angélica Diniz e Fransciny Alves).

Repasses ilícitos a ex-prefeito

Marcos Valério também implicou em sua delação o ex-prefeito de Contagem Ademir Lucas (PR) e sua ex-esposa Vanessa Lucas. Segundo o delator, em busca de recursos para sua campanha, Lucas teria se reunido com a diretoria do Banco Rural, que teria repassado cerca de R$ 6 milhões ao então candidato em forma de empréstimo via agência SMPB.

Em troca, já como prefeito, Ademir Lucas ajudaria o banco a receber recursos devidos por meio de contratos firmados com a prefeitura, das construtoras Tratex e Andrade Gutierrez. Após vencer as eleições em Contagem, Ademir Lucas pagou o débito junto às construtoras e entregou a elas o serviço de coleta de lixo da cidade. Quem operava era a empresa Dragagem Paraopeba, que repassava um percentual do contrato às duas construtoras. A Dragagem Paraopeba também teria assumido outras obras da prefeitura, ao custo de repasses para o prefeito de Contagem, secretários municipais e assessores.

O publicitário citou ainda o repasse de recursos ilícitos, via agência DNA, ao ex-secretário de Saúde Marcus Pestana (PSDB), que ocupava a pasta durante a gestão de Aécio Neves à frente do governo de Minas. Hoje, Pestana é deputado federal pelo partido. Também teria recebido caixa 2, segundo Valério, Custódio Mattos, ex-prefeito de Juiz de Fora. (LR)

Kangussu. Os anexos também indicam caixa 2 ao ex-deputado Márcio Kangussu (PPS), que teria coordenado a realização do Fórum das Américas em Minas, no qual as agências de Valério operaram. 

Respostas

Ademir Lucas. Nega “peremptoriamente” as acusações. “Não é verdade, nunca recebi R$ 1 de quem quer que seja, a não ser dentro dos preceitos legais da época. Tem mais de 15 anos que eu saí da prefeitura, nunca apareceu nada meu. Não é verdade e não sei porque ele está fazendo isso. Ele não comprova nada disso porque não é verdade. É coisa de maluco. Há mais de 15 anos eu saí da prefeitura e nunca falou-se nada disso, nem ele mesmo, e agora fala isso? Eu acho que isso deve ter outro viés. O fato é que eu estou tranquilo, não fui citado em nada, nem comunicado em nada. A delação tem que vir com provas". disse.

Aécio Neves. A assessoria disse que a questão não tem relação com o senador. “Trata-se de uma transação privada, que nada tem a ver com a atividade pública dos citados”, argumentou.

Anderson Adauto. "Fui presidente da ALMG em 1999. Na época não tinha agência de publicidade cuidando da Casa. A primeira licitação sobre essa área foi feita em 2001 e finalizada em 2002, em outra presidência. Não sei de nada a respeito deste assunto".

Bilac Pinto. Disse que as informações são “requentadas”, mas que quer se “inteirar melhor sobre o assunto” para se manifestar.

Carlos Melles. Afirmou que foi secretário de Obras de Minas por quatro anos e que movimentou R$ 9 bilhões sem nenhuma denúncia contra ele: “Se você quer brigar comigo é falar de Clésio Andrade. Confesso que eu tenho até um pouco de asco de Clésio Andrade. Ele me tirou a oportunidade de ser vice-governador por duas vezes, uma com Eduardo Azeredo e outra com Aécio Neves. Nem se ele me desse todo ouro do mundo eu o ajudaria em algo. Isso é uma mentira”, disse.

Danilo de Castro. O advogado Sânzio Baioneta Nogueira disse que “É lamentável que um criminoso confesso, conhecido nacionalmente por todos os órgãos de persecução penal, venha a denegrir levianamente a imagem de um homem com mais de 40 anos de vida pública e reputação ilibada.Recentemente, aliás, o Sr. Marcos Valério inclusive buscou ludibriar a Justiça através da juntada de declarações falsas, visando obter a sua transferência para a cidade de Lagoa da Prata. Sua falta de compromisso com a verdade é uma marca que acompanha toda a sua trajetória, e esta é apenas mais uma prova disso. Não é à toa que o Ministério Público Federal e Estadual recusaram as ofertas de colaboração propostas por este cidadão.Marcos Valério, nas palavras do Procurador-Geral da República à época do Mensalão, “é um jogador”. Sobre estes fatos ele já trouxe várias versões distintas, sendo esta apenas mais uma de suas inverdades. Por fim, é bom lembrar que os fatos noticiados pelo delator já foram objeto de exaustiva apuração por parte do Ministério Público, que, acertadamente, não vislumbrou qualquer irregularidade por parte de Danilo de Castro”.


Mauri Torres. O advogado Sânzio Baioneta disse que as acusações contra Torres são “fantasiosas e descabidas por parte do Sr. Marcos Valério. Em mais uma tentativa de atenuar sua condenação à pena de 40 anos de reclusão em regime fechado, decorrente do julgamento do processo conhecido como Mensalão, novamente este cidadão apresenta versão absolutamente inverídica sobre os fatos. Mauri Torres possui total consciência da retidão que sempre acompanhou sua atuação profissional, e está tranquilo em relação aos fatos, já apurados à exaustão pelo Ministério Público, que concluiu pela inexistência de qualquer irregularidade. Caso seja confirmado que ele realmente realizou tais afirmações inverídicas, todas as providências jurídicas cabíveis serão tomadas”.

Outros.  A reportagem não conseguiu contato com o deputado federal Marcus Pestana (PSDB), Amilcar Martins, Anderson Adauto, Custódio Mattos, Márcio Kangussu, Paulo Piau, Sebastião Costa e Vanessa Lucas. 

Idas e Vindas

Em Brasília. A delação de Marcos Valério foi inicialmente rejeitada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O acordo com a Polícia Federal ainda precisa ser homologado pelo STF.

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