Democracia

Desinformação prejudica o debate sobre direitos humanos

Segundo especialistas, o tema não deve ser visto como pauta de esquerda nem de direita

Por Bruno Mateus
Publicado em 07 de abril de 2019 | 03:00
 
 

O reconhecimento e a proteção dos direitos humanos, inerentes a todos independentemente de raça, nacionalidade, etnia, religião ou qualquer outra condição, estão no centro da democracia. O que era para ser consenso, no entanto, se transformou em tema central de embates ideológicos nos últimos anos no país. 

Segundo o professor de direito constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Emilio Peluso Meyer, há uma ampla desinformação em torno do assunto e as pessoas, por falta de conhecimento específico, embarcam em análises simplistas que não correspondem a complexidade dos fatos. Peluso diz que o uso político dessa falta de informação traz uma série de prejuízos às políticas públicas de direitos humanos, que têm questões de efeitos práticos e protetivos para toda a sociedade. 

Insucessos na área econômica e erros dos governos de esquerda, ressalta o acadêmico, também contribuíram para que determinadas políticas associadas a essas gestões fossem atacadas, o que é um equívoco, segundo Peluso. “É fundamental entender que o discurso de direitos humanos nasce junto com o liberalismo político. A ideia não tem que ser associada à esquerda nem à direita”, pontua.

Outro mantra muito repetido por setores da sociedade e até por políticos é que os direitos humanos são de esquerda e funcionam para proteger criminosos. “Infelizmente, durante anos, a expressão direitos humanos foi deturpada no Brasil”, afirma a senadora Mara Gabrilli (PSDB). Em novembro passado, ela recebeu o Prêmio Direitos Humanos 2018, concedido pelo governo federal. 

A parlamentar salienta que atuar pelos direitos humanos não é defender bandido. “É valorizar e trabalhar por direitos que são básicos, mas que infelizmente ainda não são de todos, como educação, moradia, saúde, saneamento básico, liberdade. E isso significa também valorizar e trabalhar pelos direitos daqueles que são os mais vulneráveis”, diz. 

Já o deputado estadual Bruno Engler (PSL), que integra a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), argumenta que as políticas da área são pautadas pela abordagem esquerdista “para defender vagabundo”. Ele conta que pretende mudar essa perspectiva: “Entrei na comissão justamente para modificar esse viés”. Engler ainda diz que “não devemos ter políticas voltadas para criminosos”. 

O professor Emilio Peluso faz o contraponto: “O discurso de que os direitos humanos servem para proteger bandidos é baseado no senso comum mais rasteiro. É extremamente equivocado, porque não entende qual é a posição que o Estado deve ter, em geral, em relação a proteção de direitos, que vale para todos.”

História
Para o então secretário de direitos humanos no governo Lula, Nilmário Miranda (PT), há dois marcos que abalam esse conceito no período recente da história: a queda das Torres Gêmeas, em 2001, nos Estados Unidos, e a crise global do capitalismo, em 2008, quando começou-se a culpar os imigrantes pelos males da sociedade.

No primeiro caso, Nilmário pondera que, em determinado momento, George W. Bush, então presidente norte-americano, começa a defender a tortura para se combater o terrorismo: “Ali há o uso sistemático dessa prática. Se os direitos humanos são a dignidade de cada pessoa, a tortura é o mal absoluto”. 

Brasil vive entre avanços e retrocessos nas políticas públicas

Para o procurador do Estado do Ceará e presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, César Barros Leal, o desafio que se impõe é criar uma cultura de direitos humanos no Brasil. “O espectro é enorme, dos deficientes físicos às crianças, passando por indígenas e quilombolas, entre outros setores. As pessoas têm uma visão muito restrita do que é o assunto”, opina.

Segundo Barros Leal, atualmente a situação inclui avanços e retrocessos, mas ele pondera que essa não é exclusividade do Brasil. O advogado lamenta posturas recentes do presidente Jair Bolsonaro, que recomendou que as Forças Armadas comemorassem o golpe militar de 1964, responsável por uma série de violações aos direitos humanos no Brasil. Porém, ele se mostra otimista: “Se eu não tivesse esperança não estaria publicando livros nem cursando um pós-doutorado em direitos humanos”.

O professor Emilio Peluso Meyer diz que conquistas importantes na política de direitos humanos aconteceram no governo de Fernando Henrique Cardoso, ainda que com vários problemas. “Depois tivemos uma melhora com governos de esquerda (Lula e Dilma Rousseff) mais preocupados com esse tipo de pauta”, analisa.

Na gestão de Michel Temer (MDB), o acadêmico afirma que houve “retrocessos marcantes”. Já o governo Bolsonaro, de acordo com Peluso, apresenta um neoliberalismo que confronta a própria noção de direitos humanos. “Estamos em um momento sensível, numa situação bastante grave”, define.

Brasileira foi fundamental na criação da Carta da ONU

Em junho de 1945, uma delegação brasileira partiu rumo aos Estados Unidos, mais precisamente para São Francisco, para participar de uma conferência que redigiria e adotaria a Carta das Nações Unidas, acordo responsável por criar, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU). 

Única mulher na comitiva, a cientista, ativista e diplomata Bertha Lutz (1894-1976) foi enviada pelo governo de Getúlio Vargas para defender os direitos das mulheres na Carta.

Segundo as pesquisadoras da Universidade de Londres Elise Dietrichson e Fatima Sator, que revisaram documentos da época, ela teve um papel decisivo na inclusão da igualdade de gênero no documento. Sem ela e outras diplomatas sul-americanas, a história poderia ter sido diferente.