Cabos eleitorais

Eleições 2022: Protagonismo dos prefeitos será colocado à prova

A boa avaliação dos munícipes em recente pesquisa DATATEMPO/CP2 pode influenciar nas campanhas majoritárias e proporcionais

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 25 de outubro de 2021 | 06:00
 
 
KALIL ZEMAJPG Foto: Reprodução/Roda Viva - Imprensa MG/Gil Leonardi

A boa avaliação de prefeitos no interior do Estado de Minas Gerais aumentará o protagonismo dos mandatários enquanto cabos eleitorais para candidatos ao Palácio Tiradentes, bem como à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e à Câmara dos Deputados em 2022. Enquanto cientistas políticos atribuem maior influência de munícipes em eleições proporcionais, já que as campanhas são regionais, por outro lado o impacto de prefeitos na campanha de candidatos majoritários ainda pode ser relevante.
 
Em pesquisa realizada entre 17 e 20 de julho pelo DATATEMPO/CP2, 56,3% dos entrevistados, por exemplo, apontaram o trabalho de prefeitos como bom ou muito bom. Apenas 16,8% avaliaram como ruim ou muito ruim. Já 69,2% dos entrevistados aprovaram a maneira como os chefes de Executivos municipais governam. Outros 27,1% desaprovaram. Embora a metodologia não tenha contemplado nominalmente os prefeitos durante a entrevista, os índices apontam uma avaliação superior àquela do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do governador Romeu Zema (Novo).
 
A influência da atuação de prefeitos enquanto cabos eleitorais é, historicamente, ao menos no Brasil, maior em eleições proporcionais do que nas majoritárias. Tanto o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-Minas) Malco Braga Camargos quanto o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo Félix de Melo corroboram a tese. Entretanto, prefeitos bem avaliados têm de alguma maneira um capital político para influenciar os eleitores em menor ou maior grau. 
 
Conforme Ranulfo, há uma conexão muito forte entre as eleições para deputado federal e prefeito à medida em que os parlamentares apoiam os seus candidatos para os municípios e, posteriormente, os prefeitos endossam os seus deputados. “Pode ter ligações partidárias ou não, mas é muito forte. Deputados têm apoios consolidados em alguns prefeitos e depois esperam alguma reciprocidade. (...) Entre deputados e prefeitos, há uma troca, o que não é possível entre governadores e prefeitos, porque o governador não faz campanha para prefeitos.” O professor acrescenta que os candidatos ao Governo de Minas têm campanha mais ampla, “têm que pensar o Estado inteiro”, o que os leva a visitar apenas as maiores cidades das regiões.
 
Já Camargos lembra que, em eleições majoritárias como as para a Presidência e Governo, os eleitores estabelecem uma conexão direta com os candidatos por meio de TV e internet, ou seja, sem a mediação de cabos eleitorais. “Agora, já nas campanhas proporcionais, o prefeito tem, sim, o papel de aproximar os candidatos dos eleitores, uma vez que os eleitores não conseguem fazer uma conexão direta com os seus representantes. Dada a invisibilidade das campanhas legislativas, os prefeitos têm o papel fundamental de dar visibilidade aos candidatos.” A exceção à regra em eleições majoritárias, de acordo com o cientista político, é os senadores. “Prefeito bem avaliado é protagonista na eleição de deputados e senadores.”
 
Embora afirme que a regra geral é a de que um prefeito bem avaliado consegue transferir parte do prestígio para quem apoia, Ranulfo pondera que a transferência de voto é relativa. “O eleitor pode gostar do prefeito e não gostar do candidato que o prefeito está apoiando. Transferir prestígio em voto para outro candidato é muito difícil. Quanto mais bem avaliado, maiores as chances para transformar o prestígio em voto, mas levando em conta que não é algo mecânico.” O professor da UFMG ainda pontua que, às vezes, os prefeitos sequer precisam explicitar o voto. “Mas mexer os pauzinhos para que os candidatos a deputados tenham certo trânsito, conversem com vereadores etc.”
 
‘Kalil vai ter que rodar muito’
 
Outro recorte da pesquisa DATATEMPO/CP2 apurada entre 17 e 20 de julho apresenta ampla vantagem de Zema em relação ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) – um dos postulantes ao Palácio Tiradentes nos bastidores –, no interior de Minas. O governador, por exemplo, lidera as intenções de voto em campanha pela reeleição em 11 das 12 regiões do estado. A exceção é a Região Metropolitana. Porém, no Noroeste de Minas, Kalil sequer pontuou. 
 
“Belo Horizonte não ganha eleição em Minas”, adverte Ranulfo. “Se o Kalil quiser disputar a sério com o Zema, vai ter que rodar muito (o estado).” A conclusão é reforçada por Camargos. “O Kalil tem que mudar a sua agenda, porque é necessário que ele saia de Belo Horizonte em busca de ter apoiadores e uma relação direta com as pessoas fora da Região Metropolitana.”
 
Além de já estar há três anos à frente do Governo, Zema, ao menos desde o último ano, viaja o interior para distribuir vacinas e suprimentos médicos em meio à pandemia de Covid-19. O próprio entorno do governador avalia como muito próxima a relação entre ele e os prefeitos. Os repasses tributários em dia desde que assumiu o Palácio Tiradentes, ao contrário do que acontecia com o antecessor Fernando Pimentel (PT), é apontado para justificar a avaliação. A relação entre Zema e os munícipes passa pela Secretaria de Estado de Governo. Questionada por O TEMPO sobre a articulação, a pasta não respondeu até o fechamento deste texto.
 
Kalil, por sua vez, havia reativado recentemente a Frente Mineira de Prefeitos (FMP) em busca de aproximação com os mandatários do interior de Minas, sobretudo aqueles de regiões que não a Metropolitana. A associação reúne cerca de 80 prefeituras de municípios com mais de 35 mil habitantes. No entanto, os efeitos da eleição da FMP foram suspensos após decisão da 33ª Vara Cível de Belo Horizonte na última quarta-feira (20). O secretário de Governo de Kalil, Adalclever Lopes (MDB), é apontado como o articular político do prefeito. Procurado, o ex-deputado estadual não se manifestou sobre os questionamentos apresentados pela reportagem. Ele é um dos pivôs da crise entre a Prefeitura de Belo Horizonte e a Câmara Municipal nos últimos meses. 
 
Capilaridade pelo interior
 
A chapa de Kalil à frente da FMP reunia prefeitos como o de Teófilo Otoni, Daniel Sucupira (PT), e a de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT). A composição, inclusive, aumentou especulações sobre um eventual apoio do PT à possível candidatura de Kalil ao Governo de Minas. O prefeito deve receber o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a caravana por Minas Gerais prevista para novembro. Além de Juiz de Fora, o PT ainda tem Contagem, administrada por Marília Campos, entre os dez maiores colégios eleitorais de Minas. O presidente do diretório estadual, Cristiano Silveira, foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição.
 
Ao contrário de Ranulfo e Camargos, o presidente da Executiva estadual do MDB, deputado federal Newton Cardoso Jr., acredita que o apoio de prefeitos reconhecidos pela população serve para qualquer processo eleitoral. “Especialmente porque o prefeito vem de um processo eleitoral majoritário. Então, faz sentido que ele escolha, ainda que seja de forma menos incisiva, aqueles que possam contribuir melhor para o seu município, seja no âmbito majoritário, seja no proporcional.” O MDB é o partido com o maior número de prefeitos e vice-prefeitos em Minas, o que, conforme Cardoso Jr., lhes habilita a construir uma chapa proporcional em todo o estado. “Há lideranças enormes espalhadas por toda Minas Gerais. Com isso, conseguimos de fato que essas formações reflitam na formação de uma chapa proporcional. O MDB está presente em quase todos as cidades com diretórios efetivos ou provisórios.”
 
O presidente da Executiva estadual do PSDB, deputado federal Paulo Abi-Ackel, endossa Newton Cardoso Jr. “Ter o apoio de prefeitos é importantíssimo para vencer as eleições tanto majoritárias como proporcionais, ainda mais em um estado onde temos 853 municípios.” Questionado sobre a estratégia do PSDB para as eleições futuras, Abi-Ackel aponta que ela passará, de qualquer forma, pela definição da candidatura presidencial. O diretório mineiro apoio o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do PSDB. Inclusive, durante a visita de Leite a Minas entre 15 e 16 de outubro, o governador passou por Governador Valadares e Poços de Caldas. Ambas são governadas por tucanos – no caso, André Merlo e Sérgio Azevedo, respectivamente.
 
‘A força do líder local enfraqueceu, mas ainda existe’
 
Para o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda, os líderes locais ainda têm peso nas eleições, sobretudo se bem avaliados forem. “As eleições de 2022 serão um teste. Ainda que em 2018 tenha sido o ápice da influência das redes sociais e do contato direto entre os candidatos e os eleitores, em 2020 já diminuiu um pouco, porque, como foram eleições locais, o contato é mais próximo.” Em eleições anteriores, pontua Julvan, quem fazia a divulgação dos governadores eram lideranças locais. “Agora, a força da liderança local enfraquece um pouco, mas ainda existe.”
 
O presidente da AMM acredita que o crescimento de Zema na reta final do 1º turno há três anos foi um caso atípico. “Em um estado com a dimensão territorial de Minas, qualquer pessoa que pretenda colocar o seu nome para um pleito estadual tem que andar mais cedo. (...) Naturalmente, o que acontece é que as pessoas mais conhecidas, que têm ligações com pessoas interior afora, são favoritas, principalmente no campo majoritário.” Quando um gestor é melhor conhecido, o pedido dele tem mais peso, complementa Julvan.