Congresso

Esquerda reduzida e dividida tenta agora agenda comum

PT, PDT, PCdoB, PSOL e PSB se separaram em dois blocos

Por Bruno Mateus
Publicado em 17 de fevereiro de 2019 | 03:00
 
 

A recente disputa pela presidência da Câmara dos Deputados e a formação dos blocos na Casa expõem uma divisão entre os cinco principais partidos da esquerda e centro-esquerda brasileira. De um lado, PDT e PCdoB, que apoiaram a vitoriosa campanha de Rodrigo Maia (DEM) à reeleição, se uniram em um mesmo bloco parlamentar.

Já na outra ala, PT, PSOL e PSB chegaram a um consenso e formam o segundo grupo que também fará oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).

A deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, minimiza a divisão justamente quando a esquerda enfrenta sua maior fragilidade. Segundo ela, esse é um jogo natural da política e não quer dizer, necessariamente, uma ruptura entre os partidos. “Em temas relevantes para a nação, que abordam aspectos como direitos humanos, Previdência e contrariedade às privatizações, esses partidos estarão juntos. A esquerda brasileira, nos momentos importantes para o país, sempre esteve unida”, afirma.

A despeito disso, a vida dos partidos de esquerda em Brasília não será fácil. Além de estarem em menor número tanto na Câmara quanto no Senado – onde também há um desmembramento em dois grupos diferentes – se comparadas a base aliada de Bolsonaro, eles ainda viram o DEM levar a presidência das duas casas. Como se não bastasse, as mesas diretoras que compõem o Congresso Nacional são predominantemente ocupadas por partidos de direita.
Atuações partidárias à parte, há, pelo menos, um consenso entre a esquerda brasileira: a necessidade de atuar com firmeza e inteligência na oposição ao governo Bolsonaro.

Segundo a ex-deputada federal Jô Moraes (PCdoB), essa tão falada divisão na esquerda é uma situação que sempre existiu. Para ela, no entanto, o problema maior é que se não houver uma unidade programática ficará ainda mais difícil fazer uma política conjunta de enfrentamento ao governo federal: “O que importa agora não é discutir a formação de blocos e de espaços institucionais, mas, sim, enfrentar a agenda da direita”.

Debate

“Depois do golpe de 2016, essa fragmentação das esquerdas está sendo rediscutida numa tentativa de superação”. Essa é a leitura que a deputada federal Áurea Carolina (PSOL) faz do atual momento. A parlamentar entende as diferentes estratégias dos partidos, mas lamenta não ter PCdoB e PDT no mesmo bloco.

O líder do PT na Câmara, deputado federal Paulo Pimenta, avalia que o momento é delicado para a esquerda, o que não afasta a reaproximação com PDT e PCdoB, este último aliado histórico dos petistas. “Estamos conversando para recompor uma oposição mais ampla”, conta. 

Por sua vez, o deputado federal Júlio Delgado (PSB) acredita que a esquerda terá dificuldades para se restabelecer a curto prazo. “Não seremos oposição contra tudo e contra todos como o PT faz”, diz ele, que chama PDT e PCdoB de “puxadinho do Rodrigo”. 

Delgado diz que haverá um realinhamento natural, mas, para ele, é utópico pensar em uma união total da esquerda. “Em determinados assuntos estaremos na mesma trincheira, mas não necessariamente em todas as batalhas”, argumenta o parlamentar mineiro.

"PT quer destruir o PDT", diz Heringer

A corrida presidencial de 2018 e a disputa pelos votos entre Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) deixaram sequelas na relação entre os dois partidos. Mário Heringer (PDT) afirma que, atualmente, há uma clara divisão na esquerda contra a hegemonia que o PT, segundo ele, tenta impor nas últimas décadas. “Eles querem marginalizar os outros partidos da esquerda. O PT está desesperado porque o líder deles está preso. Eles querem matar o Ciro politicamente, destruir o PDT e enfraquecer nosso partido visando 2022”, disparou.
Gleisi Hoffmann (PT) enxerga a rivalidade com o PDT com tranquilidade: “É natural que fique algum resquício, um certo distanciamento político em razão do processo eleitoral de 2018, mas devo confessar que Ciro Gomes não é objeto da nossa atenção”.
 
Segundo a petista, a legenda tem relevância por marcar presença em todo o território nacional e ter governado o país por 14 anos, mas ela nega a intenção de controlar a esquerda no país. “Mesmo sabendo do nosso tamanho, os demais partidos devem ter uma participação forte e não pretendemos hegemonizar. Todos devem estar juntos”, diz. 

Para acadêmico, disputa é histórica

A avaliação do professor de ciência política da UFMG, Bruno Reis, é que a disputa entre as esquerdas – ele faz questão de usar o termo no plural para destacar a diversidade de pensamento existente – é uma questão histórica. 

Ele conta que comunistas e anarquistas passaram décadas culpando uns aos outros pela vitória do ditador Franco, na Espanha dos anos 1930. A rivalidade na esquerda, segundo ele, se deve ao fato de existirem, dentro do campo ideológico, tipos diferentes de utopias e de críticas ao status quo, bem como distintos modelos de estratégias revolucionárias.

Reis pondera que a esquerda esteve relativamente unificada em torno de Lula, do PT e, posteriormente, de Haddad nas eleições presidenciais de 2018. Entretanto, a relação entre petistas e Ciro Gomes ficou estremecida, e isso reflete, segundo ele, na formação dos blocos na Câmara dos Deputados. “Essa rixa deixou rastro, mas a tendência é esfriar um pouco depois”, afirma. 

Ao mesmo tempo em que diz que os demais partidos da esquerda precisam se distanciar um pouco do PT para alcançar protagonismo, o acadêmico avalia que a legenda do ex-presidente Lula é quem vai comandar a oposição ao governo Bolsonaro: “O polo da esquerda permanece sob liderança e relativa hegemonia, embora enfraquecida, do PT”.

Para Bruno Reis, o desafio da esquerda no Congresso, em um cenário em que os principais cargos estão na mão da direita, “é ter um diagnóstico do que se passou, articular a resistência e negociar mudanças tópicas sem parecer defender o status o quo”.