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Fiscalização de notícias e perfis falsos na eleição impõe desafio

Robôs costumam ser responsáveis por influenciar as postagens de usuários reais nas redes

Dom, 14/01/18 - 02h00

Nos próximos meses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai detalhar as regras válidas para a propaganda eleitoral na internet. A preocupação do órgão é criar mecanismos para enfrentar o uso de perfis falsos como “cabos eleitorais” na internet. A Polícia Federal (PF) também criou um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de lei que dê suporte jurídico para ações de repressão contra o uso de notícias falsas com objetivos eleitorais. Porém, juristas e pesquisadores avaliam que novas leis e monitoramento das redes dificilmente solucionarão os problemas sozinhos.

A maior preocupação dos especialistas é a identificação dos robôs nas redes sociais que conseguem dominar o debate político. A prática é uma ameaça ao processo eleitoral, mesmo com a propagação de informações verdadeiras ou apenas opiniões. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) analisou as mensagens postadas no Twitter nos momentos de fatos relevantes da política brasileira nos últimos anos. A pesquisa apontou que os perfis falsos são capazes de criar temas de discussão que ocupam os assuntos mais falados nas redes sociais. Mais do que isso, eles contribuem para que usuários reais entrem na polarização, mantendo as discussões em opiniões extremas e distante de debates propositivos.

O levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) analisou o poder de influência dos robôs no Twitter durante os debates na TV das eleições gerais de 2014, a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a greve geral de 2017 e a votação da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados. Em alguns momentos eles foram responsáveis por mais de 11% das mensagens postadas sobre os temas, conseguiram emplacar seus assuntos nos trending topics (assuntos mais comentados da rede social) e ajudaram a manter a polarização sobre os assuntos.

Houve casos, como as mensagens de apoio ao candidato Aécio Neves (PSDB) durante o debate do segundo turno e postagens contrárias ao impeachment de Dilma, em que os robôs foram responsáveis por até 20% do conteúdo apresentado no Twitter.

Dificuldade. Na avaliação do professor da FGV que participou da pesquisa Amaro Grassi, é importante que o TSE e a Polícia Federal estejam preocupados com a utilização de robôs, pois eles podem interferir em um processo eleitoral, principalmente em uma disputa apertada. Porém, ele destaca que o combate a essa prática é delicado e o problema não será solucionado apenas com uma nova legislação.

“É preciso ter muito cuidado. Tudo tem que ser feito de forma muito transparente para que todos os atores saibam as regras do jogo e os limites de atuação. É importante criar mecanismos para que esse controle não extrapole para uma possível censura”, afirma.

Ele explica que hoje a legislação eleitoral já define que é proibida a utilização de robôs, mas que não está claro como funciona a fiscalização dessa prática e mesmo as punições que podem ser aplicadas.

“Todos os atores têm que atuar em conjunto. Não vai ser uma ação repressiva que vai solucionar o problema. A Justiça Eleitoral precisa atuar com a definição das regras e a fiscalização, as empresas que administram na rede social têm que ajudar na identificação de possíveis robôs, os pesquisadores precisam construir modelos tecnológicos que possibilitem a identificação de atuação de perfis falsos, e o próprio eleitor tem que aumentar sua atenção para o conteúdo que está consumindo”, explica.

O pesquisador da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC) Sérgio Amadeu teme que o controle de robôs e informações falsas possa abrir brecha para um controle seletivo do que está sendo divulgado, o que poderá fazer com que órgãos de Estado prejudiquem uma candidatura em benefício de outra.

“O controle da rede é algo muito perigoso. Quem vai definir o que é exagero, o que é interpretação, o que é mentira? O risco que corremos é que os agentes de segurança e fiscalização atuem com base em suas posições ideológicas, e o que foi criado para evitar um desequilíbrio eleitoral seja justamente o que vai causar esse desequilíbrio”, avalia o especialista.

Exterior

Risco. Para especialistas, há o risco de que corporações estrangeiras influenciarem as eleições no Brasil, como ocorreu nos EUA. As autoridades norte-americanas investigam o uso de robôs russos para disseminar notícias falsas contra Hilary Clinton.

 

Lei atual permite punições, mas processo é longo

Até meados de fevereiro, o TSE deve detalhar regras que serão válidas para a propaganda eleitoral na internet. A preocupação do advogado especialista em direito digital Alexandre Atheniense é se as normas serão viáveis para serem fiscalizadas e se poderão ser implantadas de forma ágil.

O jurista explica que notícias e perfis falsos podem ser alvo de ações criminais ou civis na legislação atual. Mas ele avalia que o processo nesses casos é longo e não teria efeito para barrar uma possível influência eleitoral da prática. “No âmbito criminal, pode ter uma ação por calúnia e difamação. No cível, uma cobrança de indenização por danos morais. Mas são ações que demoram e, quando forem julgadas, o estrago já terá sido causado”, afirma.

Por isso, ele explica que a melhor solução é a punição eleitoral quando for identificado algum fluxo desproporcional em favor de um candidato nas redes sociais. “Aí é possível julgar mais rápido e definir punições que podem ser multa, retirada do ar do site e dos perfis do candidato. É possível pensar até mesmo na possibilidade de considerar o candidato inelegível”, explica.

Uma novidade nas eleições deste ano é que será permitido o impulsionamento de notícias nas redes sociais. Esse é o nome que se dá quando há o pagamento às plataformas para que ela aumente a visualização de publicações de determinada página. Para Atheniense, essa regra tem que vir com uma contrapartida dos administradores das redes sociais. “Eles vão lucrar com esse tipo de publicidade. Em contrapartida, deveriam oferecer melhores ferramentas contra notícias e perfis falsos”, avalia.

O professor da UFABC Sérgio Amadeu afirma que o impulsionamento possibilita uma vantagem para os candidatos que contam com mais dinheiro. “Haverá um domínio dos assuntos nas redes sociais do candidato que pagar mais para impulsionar suas publicações”, afirmou.

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