Eleições 2022

Fome, desemprego e inflação dominam discursos na disputa ao Palácio do Planalto

Maioria dos pré-candidatos, oficiais ou não, tem apelado a temas considerados sensíveis ao atual governo para tentar conquistar voto do eleitor

Por Lucyenne Landim
Publicado em 12 de fevereiro de 2022 | 08:00
 
 
Índices relacionados à pobreza no país pautam declarações de pré-candidatos à Presidência da República Foto: Crédito: Marcello Casal/Agência Brasil

Com a aproximação da disputa pela Presidência da República, que será decidida nas urnas em outubro deste ano, os pré-candidatos, oficiais ou não, começam a intensificar a artilharia em busca de votos. A maioria tem apelado para discursos com temas sensíveis ao atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), como os índices de fome, pobreza, inflação e desemprego da população.

As pautas têm dominado os pronunciamentos em redes sociais, entrevistas e agendas de pré-campanha e são baseadas em estudos que comprovam a situação do país. Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), divulgado em 2021, indicou que 55,2% dos lares brasileiros vivenciavam um cenário de insegurança alimentar, o que significa 116,8 milhões de pessoas.

A falta de trabalho formal atinge 12,4 milhões de brasileiros, segundo último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a inflação, que alcançou o dígito de 10,38% em janeiro no acumulado de 12 meses, o maior patamar para o período em seis anos, deve preocupar ao longo do ano.

O pré-candidato do PSDB, João Doria, em entrevista à Rádio Metrópole na segunda-feira (7), afirmou que o debate da eleição presidencial será “do emprego e da miséria”. Desde que intensificou o foco eleitoral nos compromissos, Simone Tebet, do MDB, tem defendido pautas semelhantes, além de ter alegado o aumento da pobreza como a principal motivação para entrar na disputa.

Ciro Gomes, do PDT, apontou nesta semana que a fome é uma “emergência mortal” e questionou o que justifica a situação de miséria e inflação descontrolada no Brasil, que é o maior produtor mundial de alimentos. Da mesma forma, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, denunciou que “milhões estão sem emprego e passando fome”.

Leonardo Péricles, do UP, calculou que os R$ 2 trilhões reservados no Orçamento do ano para refinanciar a dívida pública federal seriam suficientes para “resolver a fome no Brasil”. Sergio Moro, do Podemos, que tem como foco pautas contra a corrupção, já recorreu a declarações enfatizando a miséria e a inflação. Enquanto André Janones, do Avante, falou em propor um programa de renda básica universal.

Mesmo que em menor escala, os assuntos já foram abordados também em declarações de Alessandro Vieira (Cidadania), Felipe d’Avila (Novo), Rodrigo Pacheco (PSD) e Aldo Rebelo (Sem partido), que figuram na esfera da eleição presidencial.

Para se justificar, Bolsonaro usa os resultados de seu governo com o impacto da pandemia de Covid-19 e medidas restritivas que, na avaliação dele, ceifaram a economia nacional e o prejudicaram politicamente.

Para especialistas, adversários de Bolsonaro assumem papel de oposição, mas estratégia pode não ter a melhor eficiência

Para os cientistas políticos Paulo Kramer e Rui Tavares Maluf, os pré-candidatos estão ocupando o lugar destinado à oposição que tenta entrar no lugar do atual governo com uma visão diferente, estratégia presente nos países democráticos. Mas a unificação de pautas populistas em oportunismo político pode ter efeito contrário ao esperado.

Segundo Kramer, é preciso escolher um discurso em que haja alinhamento à postura pública de quem se coloca na disputa. Ele lembrou como exemplo o ex-candidato Aécio Neves (PSDB) que, no pleito de 2014 contra Dilma Rousseff (PT), defendeu tornar o Bolsa Família uma política de Estado. A tática acabou dando votos ao PT, que já era identificado como “dono” do programa.

“O candidato tem que escolher um discurso com o qual esteja identificado e com o qual o eleitor se identifique. Um exemplo recente é Sergio Moro, quando fala em saúde, educação e política fiscal. A impressão nítida é que ele está falando a partir de uma ‘cola’ dos assessores. Se a especialidade dele é combate à corrupção, ele tem que fazer com que todas essas questões passem pelo prisma do combate à corrupção e [dizer] ‘não temos uma saúde e educação de qualidades por causa da corrupção, nossas contas públicas estão abaladas por causa da corrupção’”, concluiu o raciocínio.

Para Maluf, a insistência nos mesmos assuntos pode ser explicada no fato de serem pautas “muito interligadas e que estão ‘na mesa’, porque a economia tende a puxar muitos outros assuntos. Quando a economia vai mal, a tendência é que questões como essas e paralelas, como fome e desemprego, também apareçam”, pontuando que será decisivo saber interpretar adequadamente os temas colocados no confronto de debates.

Um questionamento que deve ser sempre ponto de atenção, na visão de Maluf, é em que medida o debate se torna antiético ao abordar questões que vão contra o interesse público, mas geram engajamento eleitoral.

“Quando o candidato da oposição é mais prudente em relação ao que está sendo feito pelo governo da hora é que você distingue o estadista do mero político. Não é que um estadista deixará de ser político, mas é que um estadista é aquele que consegue realmente ter a concepção do Estado, do que deve ser feito, com interesses que ultrapassam os interesses políticos da hora”, observou.

O contraponto, mesmo que em temas semelhantes, também deve ser observado, de acordo com os especialistas, principalmente pelos candidatos que buscam espaço na terceira via, contra a polarização entre Lula e Bolsonaro.

“Você pode até operar debaixo de uma mesma temática, mas se não for capaz de explorar algumas linhas alternativas, a sociedade fica mesmo sem muita interpretação. Quando se tem muitas postulações de candidaturas que têm calibre intermediário do ponto de vista de densidade eleitoral, de fato, a contribuição que se dá tende a ser menor para efeito de você ajudar o eleitor a ter elementos de comparação”, explicou Maluf.

Os cientistas políticos acreditam que os artifícios à disposição de Bolsonaro serão completamente contrários aos dos adversários caso confirme a participação na disputa eleitoral. O método, no entanto, é natural pelo lugar político que ocupa.

“O presidente conta com um arsenal de instrumentos e de ferramentas para influenciar o eleitor que os concorrentes da oposição simplesmente não têm. Não têm. Ele pode conceder aumentos para setores do funcionalismo, ele pode aumentar o Bolsa Família transformado agora em Auxílio Brasil de R$ 190 para R$ 400, pode propor medidas para aliviar o bolso dos caminhoneiros temporariamente. Não importa que muitas dessas medidas não cumpram o seu objetivo final, ou pior, que elas agravem a situação fiscal de gasto público, mas aí ele já ganhou a eleição. Obviamente se ele for reeleito, o problema cai de volta no colo dele”, apontou Kramer.

A receita que deu a vitória a Bolsonaro deve ser mantida, segundo Maluf, incluindo o fortalecimento da base ideológica. “Ele pode até deixar que algumas outras temáticas, como a economia, de novo sejam exploradas, permitir que as pessoas possam apresentar algumas propostas dos outros cantos, mas nesse ponto ele é esperto e vai de novo bater na tecla daquilo que aparentemente lhe deu certo”, finalizou Maluf.

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