Gabriel Azevedo

Gabriel Azevedo é presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte. ver.gabriel@cmbh.mg.gov.br

Gabriel Azevedo

E as pessoas em situação de rua?

Publicado em: Sex, 15/07/22 - 06h00

Cuidar das pessoas em trajetória de rua é um dos desafios urbanos que mais se fazem presentes para quem discute a vida nas cidades hoje em dia. O tema é recheado de tabus, concepções preconceituosas de um lado e, no outro extremo, um permissivismo que confunde a preservação do direito da pessoa de estar no lugar com uma visão equivocada de que a vida nas ruas é uma alternativa razoável. Não é.

As manifestações da opinião pública são muitas vezes confusas. É comum que moradores da cidade esperem que exista algum tipo de serviço no qual se comunique a presença de uma pessoa vivendo na rua e que a questão seja resolvida. No fundo, há um desejo legítimo de que o outro tenha seus direitos respeitados, mas que a situação suma do seu campo de visão.

O ordenamento jurídico brasileiro não permite a remoção forçada de uma pessoa do logradouro público. A solução fácil de ligar para a Secretaria de Assistência Social e esperar que algo aconteça por mágica é algo que se repete.

Na Câmara Municipal, o grupo BH sem Morador de Rua, liderado pelo meu amigo, vereador Bráulio Lara, propõe-se a estudar o tema. A Universidade Federal de Minas Gerais realiza um censo dessas pessoas, buscando entender por que cada um está ali. Se os motivos são diferentes, as soluções também devem ser. A falta de outro lugar para dormir não é necessariamente a única causa: há quem tenha perdido os vínculos familiares, há quem sofra da dependência química e até mesmo quem, tendo outro lugar para residir, opta por pernoitar na calçada por falta de opções de mobilidade para ir e voltar do trabalho todos os dias. São realidades complexas.

Hoje, o modelo de acolhimento em Belo Horizonte trata essencialmente de quem não tem outra cama para dormir. É fato que há menos vagas em albergues na capital mineira do que pessoas nas ruas. Ainda assim, os albergues não estão lotados: eles simplesmente não são vistos por quem está nas ruas como uma opção melhor. Recentemente, O TEMPO relatou que a violência e a insegurança campeiam nesses estabelecimentos.

Para buscar soluções, é importante copiar o que deu certo. Um exemplo é o de Houston (EUA), que tirou 25 mil pessoas das ruas nos últimos dez anos com a abordagem “housing first”: moradia em primeiro lugar. Em vez de albergues, residências e acompanhamento psicossocial para afastar as pessoas das drogas e inseri-las no mercado de trabalho formal. Dez anos atrás, 76 passos burocráticos eram necessários para uma pessoa sair das ruas para uma moradia permanente, com uma espera de quase dois anos. A iniciativa fez com que a espera média em Houston fosse para apenas 32 dias.

O exemplo da cidade americana é categórico no sentido de oferecer a moradia primeiro e solucionar os problemas conexos depois, tratando da saúde física e mental e reinserindo as pessoas no convívio social, quando já estiverem instaladas em sua residência fixa. “Se você está afogando, primeiro precisa ser resgatado. Depois vai aprender a nadar”, definiu o The Sunday Read, podcast do “The New York Times”. O “housing first” foi bem-sucedido para o que se chamou de “situação de rua crônica”: aquelas pessoas que realmente se instalaram na rua definitivamente.

Todavia, os próprios criadores da iniciativa admitem que, mesmo com o grande avanço, ainda não conseguiram tirar todas as pessoas da rua. Afinal, o que se entende por trajetória de rua transitória ainda abrange a maioria das pessoas em situação de rua da cidade americana: pessoas que podem até ter uma fonte de renda e passam até seis semanas no logradouro público. Espaço urbano e imóveis vazios para isso em Belo Horizonte não faltam.

Proporcionar habitação definitiva para quem está nas ruas não elimina totalmente essa tragédia social, mas transforma o perfil do problema, que passa a consistir numa trajetória rara e curta. Para essas pessoas, precisamos trabalhar em soluções que reconstituam os vínculos familiares e garantir portas abertas no acolhimento de saúde mental e dar oportunidade para se afastarem do álcool e das drogas. O problema não vai desaparecer, mas viver na rua não pode ser uma opção: é o símbolo da falta de opções.

Entendendo individualmente o que leva cada um a estar ali, poderemos ajudar para que cada um coloque sua vida de volta nos trilhos.

Gabriel Azevedo é vereador em Belo Horizonte (sem partido)

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