Gabriel Azevedo

Gabriel Azevedo é presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte. ver.gabriel@cmbh.mg.gov.br

Gabriel Azevedo

Seguimos nas trincheiras

Publicado em: Sex, 27/03/20 - 03h00

Em meio à preocupação geral com os efeitos mortais da pandemia do novo coronavírus e com os impactos muito graves que a Covid-19 causará na economia, o Brasil padece de mais um grave desequilíbrio: o confronto entre a União, representada pela Presidência, as Unidades Federativas e o Distrito Federal. O acirramento desse conflito institucional nada traz de benéfico ao país na travessia mais complexa de nossa história.

O momento mais tenso nessa turbulência entre União e Unidades Federativas se deu na quarta-feira, durante teleconferência do presidente Jair Bolsonaro com os quatro governadores do Sudeste para debater o combate ao novo coronavírus. O governador de São Paulo, João Doria, usou palavras duras para criticar a atuação do governo federal no enfrentamento com a pandemia, em especial a posição expressa pelo presidente em cadeia nacional de rádio e TV, na terça-feira. Bolsonaro comparou o vírus a uma “gripezinha” – o que, posso garantir pessoalmente, não é – e defendeu o fim do isolamento horizontal.

Na discussão, o presidente elevou muito o tom de voz e acusou João Doria de explorar politicamente a crise causada pelo coronavírus. O vice-presidente, Hamilton Mourão, condenava o gesto do presidente ao seu lado mexendo a cabeça negativamente... Em resposta, o governador paulista disse: “O senhor, como presidente, tem que dar o exemplo. E tem que ser o mandatário para comandar, para dirigir, para liderar o país, e não para dividi-lo”. O tom bélico da reunião resultou numa série de críticas ao comportamento do presidente.

Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, foi um dos que rebateram Bolsonaro na reunião e também na sequência. “Peço mais uma vez ao povo fluminense: fique em casa. Siga as recomendações. Não queremos acabar com as empresas, exterminar empregos. Queremos preservar vidas. Ressuscitar a economia a gente consegue. Ressuscitar quem morreu é impossível”, disse.

Até Ronaldo Caiado, governador de Goiás, aliado histórico de Bolsonaro, rompeu com ele. “Não tem mais diálogo com esse homem. As coisas têm que ter um ponto final”, afirmou o ex-apoiador.

No fim da quarta-feira, 25 dos 27 governadores (o Distrito Federal e Minas Gerais ficaram de fora) divulgaram uma carta na qual pedem “bom senso, empatia, equilíbrio e união” e convidam “o presidente a liderar este processo e agir em parceria com os demais Poderes”.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, não assinou a carta firmada por outros 25 colegas governadores... e fico pensando nos seus motivos. Entretanto, deixou claro que manterá o isolamento social: “Minha prioridade é salvar vidas. Portanto, Minas Gerais continua seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde”, publicou nas mídias sociais, mostrando que, na prática, discorda do que orienta o presidente.

Cristalizou-se, então, o antagonismo entre praticamente todas as Unidades Federativas e União, um obstáculo a ser removido o quanto antes, para que a República, que é Federativa, tenha condições mínimas de enfrentar a pandemia e o brutal impacto da economia.

Repito: somos a República Federativa do Brasil. Este é a forma estatal que escolhemos. Em uma Federação, as Unidades Federativas são autônomas administrativa e politicamente, mas delegam o poder central à União. Só numa Confederação, forma que não utilizamos, é que não existe um poder central... Não somos, pois, uma República confederativa. Somos uma república federativa, embora pelo contexto atual não pareça! Desde a Proclamação da República, vivemos sob a égide federativa. Entretanto, cometemos uma falha grave: concentramos exageradamente os poderes nas mãos da União. E tal desequilíbrio torna ainda mais complicado o combate à pandemia.

O momento é de harmonia para fazer a Federação prevalecer e para que todos prevaleçam diante de uma crise tão mortal.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.