General Felício

Marco Antônio Felício é General do Exército e PhD em ciência política e estratégia

Antagonismo nuclear na fronteira brasileira

Publicado em: Dom, 05/05/19 - 03h00

Repito para melhor enfatizar: política externa que se preze, isto é, eficaz, se faz com dois braços coordenados: diplomacia competente e poder militar.

Quando estão em jogo os interesses mais elevados das grandes potências, o idealismo político e mesmo o direito internacional são postergados pelo realismo político, a “política hardpower”, isto é, negociações eivadas de pressões de toda ordem, inclusas as respaldadas pela ameaça do uso ou pelo real emprego de forças armadas.

Essa é a moldura que contorna o quadro da questão nuclear atual. Quem tem capacidade militar nuclear dela não quer se desfazer; porém, não quer que outros a adquiram, mediante argumentos nem sempre justificáveis.

Se todos têm consciência de que o desenvolvimento nuclear deva se dar apenas para fins pacíficos, por qual razão não focar acordo para a eliminação imediata de todos os arsenais nucleares?

Recentemente, os Estados Unidos romperam o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), que limitava a fabricação e o uso de mísseis com alcance de 500 km a 5.000 km. “A Rússia não respeitou o acordo. Iremos encerrá-lo e ‘desenvolver’ essas armas”, anunciou Trump.

Entretanto, a Rússia já lançou, com sucesso, o novo míssil Avangard. É uma arma hipersônica intercontinental, com velocidade 20 vezes maior que a do som, o que torna o sistema de defesa antimíssil dos EUA absolutamente inútil, segundo declaração de especialistas militares.

Enfoco o dito acima diante da crescente crise interna venezuelana, intensificada por posições antagônicas, já anunciadas, de potências nuclearizadas (EUA, Rússia e China).

E qual a posição dos países fronteiriços (Brasil incluso) e dos demais países da América do Sul diante da ameaça de tal antagonismo evoluir para um conflito armado? Possivelmente, apesar de lutarem pela não intervenção militar, vão sofrer consequências inesperadas e se sujeitar, de alguma forma, ao poder das potências nuclearizadas. Infelizmente, neste caso, a nação brasileira pagará pela falta de visão geoestratégica e geopolítica de todos os presidentes da malsinada “Nova República”. Há que se destacar os criminosos governos Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, que fizeram questão de dizer que não tínhamos inimigos e, até mesmo, de que não havia necessidade de Forças Armadas. Collor paralisou o programa nuclear. FHC colocou “a pão e água” as Forças Armadas e assinou tratados que limitaram e limitam, ainda, o desenvolvimento de sistemas de armas de alta tecnologia para a defesa do país. Deixou o Brasil sem qualquer possibilidade estratégica de dissuasão frente às grandes potências predadoras.

Após a década de 80, as Forças Armadas dos EUA, bem como outras tantas, elegeram, em seus planejamentos estratégicos, como a pior das ameaças, em face de um mundo cada vez mais violento e nuclearizado, a “incerteza”. Prepararam suas Forças Armadas para tal ameaça. Aqui, dormiu-se em berço esplêndido com um pacifismo inexistente e a ausência de inimigos em nossas fronteiras. Como se não existisse outro mundo muito maior e com conflitos diversos.

Presidentes idiotizados não sabiam que governavam um país de grande extensão, grandes áreas agricultáveis e crescente produção de alimentos, maior reserva de água potável do mundo, enormes campos petrolíferos, imensas reservas de minérios estratégicos, florestas consideradas pulmão do mundo e biodiversidade inigualável. Riquezas de há muito motivo de cobiça das grandes potências.

Se o nosso país não tem poder nuclear, também não terá o convencional para dissuadir possíveis ameaças de nuclearizados. Somos reféns de uma situação de poder militar monopolizada por poucos países.

É preciso enfatizar que a indústria de material de defesa, assassinada na década de 90, é a maior geradora de tecnologias de ponta. Estas fazem a diferença entre países com poder e sem poder.

O que nos falta, então, quando olhamos o poderio atual da China, que, cerca de 40 anos atrás, era um país menos desenvolvido que o nosso? Faltam governantes e classe política com projeto de nação e políticas adequadas. Necessitamos de educação de qualidade; não temos uma rede de centros de pesquisas sofisticada e não investimos em ciência e tecnologia.

Em síntese, necessitamos de vontade e decisões políticas corajosas para a realização de reformas profundas nas diversas áreas do poder em país imerso em grave crise ética, moral e cívica, na busca permanente da soberania da nação e de um Brasil independente em face de qualquer situação como a que, agora, atravessamos em nossa fronteira com a Venezuela.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.