General Felício

Marco Antônio Felício é General do Exército e PhD em ciência política e estratégia

Novo acordo de Alcântara

Publicado em: Dom, 14/04/19 - 03h00

A imprensa publicou, dia 9 último, artigo do ministro de Ciência e Tecnologia, “Cooperação tecnológica com soberania”, explicitando as vantagens do recente Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil e Estados Unidos (AST), relativo ao uso da base de Alcântara, no Maranhão, para lançamentos de objetos espaciais dos EUA. Acordo este dependendo, ainda, de aprovação pelo Congresso brasileiro.

Similar acordo, proposto no ano de 2000, com o apoio do governo FHC, sofreu forte rejeição de um grupo de oficiais da reserva, entre os quais me incluo, pois não respeitava a soberania brasileira em alguns importantes aspectos. Entre estes, a acintosa proibição do uso, pelo Brasil, dos recursos gerados por tais lançamentos no desenvolvimento de mísseis e de foguetes. Inaceitável, também, a proibição de acesso e controle, por brasileiros, da área que seria ocupada pelos norte-americanos, bem como a ausência de fiscalização dos contêineres respectivos que chegassem à base brasileira. Outro aspecto, ferindo a soberania brasileira, a proibição de lançamentos de outros países que utilizassem qualquer componente de origem norte-americana, hoje presentes em cerca de 80% dos objetos a serem enviados ao espaço. O pretenso acordo não foi aprovado pelo Congresso, pois foi considerado ofensivo à soberania nacional.

Em artigo que publiquei, neste jornal, em 13 de março deste ano, intitulado “Aliado ou potencial inimigo”, ressaltei que, embora aliados tradicionais frente a graves conflitos internacionais, o Brasil tem tido, nos governos norte-americanos, uma forte e comprovada oposição ao seu desenvolvimento em campos estratégicos como o nuclear e o espacial. A restrição dos EUA a que não se transfiram tecnologias respectivas ao Brasil está registrada, claramente, em telegrama que o Departamento de Estado enviou à sua embaixada em Brasília, em janeiro de 2009. Este, revelado pelo WikiLeaks, diz não apoiar “o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”. Mais adiante, alerta: “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”. Fatos passados, ao longo dos anos, incluindo sabotagem de peças e de negativas de fornecimento de combustível para foguetes, corroboram o acima.

O novo acordo é apontado pelo ministro acima citado como altamente favorável ao Brasil. Entretanto, o faz de maneira genérica, deixando dúvidas quanto a tal realidade. Assim, qual o protagonismo a que se refere o ministro que teremos entre o restrito grupo de países partícipes de programas aeroespaciais, se não temos condições de realizar lançamentos mais sofisticados por falta de potentes lançadores, bem como de satélites específicos? Protagonismo por “alugar” o local de lançamento?

O AST, sem dúvida, poderá contribuir para o desenvolvimento da indústria brasileira de defesa e para a produção de tecnologias de ponta, agregando valor a produtos diversos, favorecendo a nossa pauta industrial de exportação. O que será realidade desde que os recursos financeiros gerados pelos lançamentos não sejam destinados à vala comum do Tesouro para pagamento de juros da dívida pública. Desde que empregados, obrigatoriamente, na formação e especialização de recursos humanos, em pesquisas e programas, visando a áreas estratégicas como a espacial, a nuclear e a cibernética e, dessa forma, produzindo tecnologias de ponta, incrementando o poder militar e recuperando o tempo perdido pela falta de visão estratégica de governantes anteriores ineptos.

O ministro afirma, também, que o acordo prevê o desenvolvimento de satélites com a participação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), entre outros órgãos vinculados ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Entretanto, nesse caso, haverá real transferência de tecnologia, o que raramente ocorre com os norte-americanos em face da rigorosa proteção que dispensam a estas? Estão tais transferências devidamente asseguradas? Que o otimismo do ministro se confirme!

Com a palavra, o Congresso Nacional!

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