Entrevista

‘Gestão Temer é continuidade do governo Dilma Rousseff’

Alvaro Dias, senador (PV-PR)

Dom, 23/10/16 - 02h00

Ex-tucano que se posiciona como “independente”,
senador paranaense critica oportunismo da antiga oposição, que migrou para a base do governo do PMDB. O parlamentar apoia a Lava Jato e ataca a
proposta de alterar a Lei de Abuso de Autoridade.

Como o senhor avalia este momento político do país? Até quando vamos viver este clima de efervescência na política?

O país está em movimento, certamente em transição para um futuro diferente. É algo que desejamos, imaginamos que possa ocorrer. Sob a égide, inclusive, dessa operação Lava Jato, que está mudando o cenário da política, porque chega fortemente desvendando mistérios da corrupção. A corrupção que levou o governo brasileiro alcançar o maior desajuste das contas públicas da história. Em decorrência, é claro, da incompetência de gestão e, obviamente, da corrupção.

Em relação a esse aspecto econômico e administrativo do governo, o senhor crê que, após esse período de Michel Temer (PMDB) até 2018 – quando haverá novas eleições –, é possível que o presidente que assumir em 2019 tenha um cenário suficientemente tranquilo para tocar as coisas?

Não podemos perder de vista que a gestão Temer é continuidade do governo Dilma Rousseff. É o governo eleito em 2014. Em que pese o fato de alguns lavarem as mãos como Pilatos, dizendo: ‘Olha, nós não temos nada com isso, não participamos desse desastre administrativo’, na verdade todos, ou quase todos que estão hoje no governo – porque há uma parte que era oposição antes e que aderiu agora –, que estão no comando do atual governo de Temer são remanescentes da eleição de 2014. Portanto, não há como fugir da responsabilidade. São, sim, partícipes desse processo de decadência administrativa no país e de corrupção. E não podemos afirmar que esse período de transição com o Temer vá promover as mudanças necessárias para o futuro país. Mas o que imaginamos ser possível é que se prepare o terreno para mudanças maiores a partir da eleição de 2018.

O senhor destacou que PT e PMDB estiveram juntos na chapa, mas, a partir do momento em que houve o impeachment, pareceu ter tido uma polarização de PT e de PMDB, enfrentando-se como se fossem forças antagônicas. Qual é o papel hoje da antiga oposição, que era formada por PSDB, DEM, PPS?

Os políticos correm para a sombra do poder quando têm oportunidade. Então, o que se verifica agora é que a oposição antes do impeachment, parte dela ou sua quase totalidade, foi para o governo. É o caso do PPS, do DEM e do PMDB. Não é o meu caso, porque procurei adotar uma postura de independência. Está evidente que temos que contribuir aprovando medidas que possam significar o impacto positivo na vida da nação, mas também nos resguardamos para a crítica construtiva, sem o propósito do revanchismo, que hoje é o objetivo petista. O que devemos fazer nessa fase de transição: porque adotar uma postura de independência soa também confuso, mas, como é uma fase atípica, proporciona oportunidade de uma postura também atípica. Não quero ser uma oposição radical para não confundir com os objetivos do PT, mas não devo ser também um aliado em qualquer situação e circunstância.

Nesse aspecto, como o senhor avalia a PEC 241, do Teto de Gastos? O projeto passará no Senado com tranquilidade?

Eu ouço discursos exagerados dos dois lados. De um, o governo gerando uma falsa expectativa de que essa proposta é suficiente para resolver a situação do país. E não é. Do outro, o PT, especialmente, criticando duramente (a PEC) como se essa proposta fosse um desastre, fosse desarrumar a saúde e a educação. Fico assustado quando vejo afirmarem que (a PEC) vai reduzir os recursos da saúde e da educação. Reduzir como? O que transferiram para essas duas áreas nos últimos anos foi insuficiente. Portanto, (os petistas) não possuem autoridade política e moral para afirmar que essa proposta vai reduzir os recursos da saúde e da educação porque é impossível reduzir. O que essa proposta pode fazer é melhorar um pouco, é aumentar os recursos da saúde e da educação. Mas, em que pese esse fato, pretendo apresentar, apenas para marcar posição – porque eu sei que é muito difícil de aprovar –, uma proposta de emenda excluindo saúde e educação. De qualquer forma, o governo tem afirmado que esse limite de gastos diz respeito ao Orçamento global e não está adstrito a setores individualizados. E que saúde e educação não serão atingidos.

Um projeto que o senhor tem criticado bastante no Senado, e que tem a ver bastante com a Lava Jato, é o de abuso de autoridade. Há uma polêmica se isso não prejudicaria o papel do Judiciário e se não é uma ameaça da classe política aos órgãos de investigação. Como o senhor analisa?

Abuso mesmo é essa tentativa de aprovar um projeto dessa natureza neste momento. O que a população deseja hoje é que essa investigação em curso seja concluída de forma eficaz, com resultados que possam transferir à população a ideia de que estamos mudando para melhor, que está nascendo uma nova Justiça, na qual a lei é igual para todos. E discutir agora um projeto que passa a ideia de tentar atemorizar as autoridades judiciárias e comprometer a operação é trombar nessa aspiração da população. Podemos discutir, sim, uma nova legislação sobre abuso de autoridade, mas depois de concluirmos essa etapa da Lava Jato. Então, espero que não logre êxito essa tentativa de alguns.

O PT nesta eleição acabou alcançando um desempenho muito abaixo do que vinha tendo, e seus principais líderes respondem a processos na Justiça. Já o PMDB, do presidente Michel Temer, também tem os seus principais caciques implicados na Lava Jato, e o próprio Temer não sabe se poderá concorrer à Presidência. O PSDB tem uma disputa interna, que é de muitos anos, com Geraldo Alckmin, Aécio Neves e até José Serra. E, nesse cenário, em que esses três partidos estão com dificuldades, pode surgir uma candidatura alternativa?

A Lava Jato muda o cenário eleitoral. Nesta eleição municipal nós estamos verificando determinados fenômenos, em que se constata que as estruturas até então fundamentais para uma eleição foram substituídas pelo desejo da população de virar algo diferente. É o que está ocorrendo aqui, em Belo Horizonte, por exemplo. Não vejo muita possibilidade de alteração desse cenário, em que vai prevalecer a insatisfação da população com o status quo, a tentativa de encontrar algo diferente sob o ponto de vista, principalmente, da boa gestão. A ausência, a escassez, de bons executivos na administração pública do país é causa das mazelas que nós vivemos, da crise brutal a que chegamos. E essa escassez de bons gestores começa no município, passa pelos Estados e chega ao governo da União, com o modelo de administração pública vencido, superado, arcaico. Por isso, a leitura que se faz hoje pode ser hoje a mesma leitura que se fará em 2018, aí surge o espaço para alternativas diferenciadas de candidaturas à Presidência da República.

O senhor é pré-candidato?

Estou num partido em que ingressei recentemente. O objetivo dessa mudança não foi exatamente uma candidatura, mas pode levar a uma, sim. Dependemos de o partido se estruturar melhor, de adotar uma postura também diferente para se apresentar como uma alternativa possível, viável, mas diferente do establishment.

O senhor acredita que as regras eleitorais que vigoram nesta eleição, como a proibição do financiamento de empresas e a redução do tempo de propaganda, vão continuar em 2018?

Eu gostei da experiência, mas temos que avançar. Por exemplo, sou favorável ao voto facultativo. Nesta eleição o eleitor protestou, não compareceu e votou nulo e branco. Então, não há necessidade de o eleitor comparecer se ele não deseja votar, porque o voto é um direito, não deve ser uma obrigação. Acho que temos que aprimorar a legislação, mas essa foi uma boa experiência, que reduz a corrupção no processo eleitoral.

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