Iran Barbosa

Iran Barbosa é ex-deputado estadual e escreve às quartas-feiras em O Tempo

Os analfabetos do futuro num país em crise com a educação

Publicado em: Qua, 01/05/19 - 03h00

Enquanto ainda estamos discutindo o analfabetismo funcional no nosso país, as atenções mundiais estão voltadas para um novo hiato educacional: o analfabetismo digital. Afinal, numa sociedade cada vez mais dependente de celulares, computadores e máquinas automatizadas, o futuro não pertencerá mais aos que sabem interagir com a tecnologia, mas sim àqueles que podem gerir. Se já era difícil comandar a educação pública antes, o futuro nos guarda algo exponencialmente mais complicado.

Os números não mentem: 4% da população brasileira é absolutamente analfabeta, não conseguindo interagir com letras ou números. Outros 25% são analfabetos funcionais, pois sabem ler apenas palavras e números simples, como letreiros de banco e contas de bar. O pior é que 63% dos brasileiros têm algum tipo de dificuldade para ler e escrever, restando apenas 8% de pessoas com capacidade para plenamente escrever ou entender um texto complexo – como o desta coluna, por exemplo.

Como se já não fosse um desastre termos 92% da população com dificuldades para ler livros ou matérias de jornal, o problema se espalha para dentro das redes sociais, por exemplo, em que 62% dos brasileiros estão presentes. Isso significa milhões de pessoas com dificuldade de se expressar como querem por escrito e mais outros milhões com mais dificuldade ainda de entender o texto ruim que receberam. Não é à toa que enfrentamos, hoje, uma grande convulsão social. Também não é por acaso que cada vez mais brasileiros têm migrado suas atenções para redes sociais mais visuais, como o YouTube e o Instagram.

O problema atual, no entanto, é que, enquanto estamos batalhando para alfabetizar nossa população para utilizar corretamente telefones, tablets e computadores, essa habilidade já ficou comum para as crianças de países mais avançados. Enquanto o “brasileiro do futuro” é aquele que domina o português e fala fluentemente o inglês, lá fora as crianças do futuro são as que já aprendem linguagens como Basic, Java e Ascil.

Dessa forma, as crianças dos países desenvolvidos já crescem sabendo ler e escrever os códigos que comandam todos os programas de celular e tablets com os quais convivemos hoje.

Na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, 12% dos empregos já pertencem à área de desenvolvimento de aplicativos e softwares tecnológicos. Lá, oito em cada dez cidadãos com salários acima de US$ 80 mil/ano são da área. Os “tech-jobs” têm crescido a taxas de até 20% ao ano em vários lugares do mundo. Estima-se até que 60% dos empregos formais do futuro pertencerão a essa área. Até lá, computadores já serão capazes de escrever peças e ações legais. Outros conseguirão fazer diagnósticos médicos. Já existem os que fazem algumas dessas funções hoje melhor que seres humanos.

Em pouco tempo, se nosso sistema educacional não for seriamente rediscutido, nós viveremos numa nação onde 99% dos brasileiros não conseguirão compreender a tecnologia que os cerca. Possivelmente, olharemos para uma página de programação da mesma forma como um analfabeto encara um livro de física quântica.

Se nós não formos capazes de ler e escrever nas linguagens do futuro, logo estaremos excluídos desses empregos e automaticamente incapacitados para as mais variadas funções. Se já somos um país desigual, onde apenas 8% das pessoas conseguem verdadeiramente se comunicar, você consegue imaginar como ficaremos quando menos pessoas ainda detiverem o domínio sobre a criação de novas plataformas tecnológicas? 

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