Condenado pelo assassinato do ambientalista e seringueiro Chico Mendes e réu confesso, Darci Alves Pereira quer ser vereador de Medicilândia, no interior do Pará. Em seu projeto político, ele passou a se apresentar como pastor evengélico, se filiou ao Partido Liberal (PL) e assumiu a presidência do diretório municipal da sigla em 26 de janeiro.

Diante da repercussão, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, distribuiu nota oficial na noite de terça-feira (27) – após a publicação de reportagens sobre Darci no comando do partido em sua cidade – anunciando o afastamento do assassino de Chico Mendes da presidência do diretório municipal de Medicilândia. No entanto, até a mais recente atualização deste conteúdo, não havia confirmação de que a decisão foi oficializada.

Valdemar alegou que não sabia que Darci Pereira era o autor da morte do seringueiro porque ele se apresenta como Pastor Daniel – mas seu nome completo consta da documentação apresentada em filiação ao PL e posse como presidente municipal da sigla.

Em nota pública, Valdemar agradeceu a imprensa pela informação e afirmou que mandou o presidente do PL paraense, o deputado federal Éder Mauro, destituir Darci do comando da sigla em Medicilândia. 

“Gostaria de esclarecer que não tinha conhecimento de que Darci Alves Pereira, que assumiu recentemente a presidência do PL de Medicilândia, no interior do Pará, é o mesmo indivíduo acusado do assassinato do ambientalista Chico Mendes. Agradeço à imprensa por trazer ao nosso conhecimento esse importante fato”, disse Valdemar.

Darci Pereira disse que sua posse reuniu “patriotas” 

O mandato de Darci como presidente do PL de Medicilândia era de um ano e começou a ter vigência em novembro, embora a cerimônia de posse tenha acontecido só em janeiro. No evento, que foi realizado na Câmara de Vereadores da cidade, ele foi prestigiado pelo deputado estadual Rogério Barra (PL-PA), secretário-executivo do diretório estadual da sigla.

O PL tem como presidente de honra o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, que, até a publicação desta reportagem não havia se manifestado sobre Darci Pereira. Em uma postagem no dia da posse no PL de Medicilândia, o assassino de Chico Mendes conclamou os moradores a se filiar ao partido do ex-presidente e disse que a cerimônia reuniu “patriotas”.

“O evento contou com a presença de patriotas, líderes e dos empossados a fazer parte da comissão do partido liberal em Medicilândia, se fez presente em nosso evento o deputado estadual Rogério Barra e demais apoiadores das causas patriotas”, escreveu Darci.

Convertido à igreja evangélica, Darci Alves atua como pastor na Assembleia de Deus da Última Hora. Assim como fazia sua família no Acre antes do crime, Darci mantém em Medicilândia uma fazenda produtora de cacau e gado, conforme apuração do O Eco, site especializado em questões ambientais e que foi o primeiro a divulgar a posse do assassino de Chico Mendes na presidência municipal do PL.

Darci matou Chico Mendes com tiros de escopeta, na casa da vítima

Em 22 de dezembro de 1988, Darci e o seu pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva, assassinaram Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, em Xapuri, no Acre. O ambientalista, que era ameaçado de morte por conta do seu ativismo na defesa dos seringueiros, foi atingido por tiros de escopeta no peito, quando estava na porta dos fundos da sua própria casa. Ele saía para tomar banho.

No desenrolar das investigações, Darci admitiu que foi o responsável pelos disparos, enquanto que Darly, que era um grileiro de terras da região de Xapuri, foi o mandante do crime. Empregado da fazenda de Darly, Genésio Ferreira da Silva confirmou que o patrão era o mandante.

Em dezembro de 1990, a justiça condenou Darci e Darly a 19 anos de prisão pela morte de Chico Mendes. Em fevereiro de 1992, pai e filho conseguiram um novo julgamento. No entanto, a condenação foi mantida e eles permaneceram na cadeia. No entanto, conseguiram fugir em fevereiro de 1993.

Darly foi capturado em junho de 1996 e Darci em novembro de 1996. Ambos foram levados para o complexo penitenciário da Papuda, em Brasília. Três anos depois, Darly alegou problemas de saúde e conquistou o direito de cumprir pena em prisão domiciliar. Darci, por sua vez, foi para o regime semi-aberto, por bom comportamento.

Durante os anos foragido, Darly escondeu-se num assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Medicilândia e chegou a obter financiamento público do Banco da Amazônia sob falsa identidade. O crime de falsidade ideológica rendeu-lhe uma segunda condenação de dois anos e oito meses de prisão.

Chico Mendes lutava contra estragos da pecuária, incentivada pela ditadura

Chico Mendes morreu uma semana após completar 44 anos. Seu assassinato ganhou o noticiário internacional, pois seu ativismo em defesa dos povos da Amazônia era reconhecido em todo o mundo, ao mesmo tempo em que provocava a ira dos grandes fazendeiros locais, que queriam derrubar a floresta para expandir a pecuária.

A política implantada pela ditadura militar (1964-1985) na Amazônia, na década de 1970, fomentou conflitos de terra, pois a substituição da borracha pela pecuária intensificou a especulação fundiária (investimento e valorização econômica de propriedades pertencentes aos fazendeiros, dificultando o acesso de pequenos produtores às terras), além de aumentar a devastação ambiental, para gerar pastos para a criação de gado.

Cidade leva nome de presidente do período mais duro da ditadura militar

Medicilândia fica no sudoeste do Pará, a 900 quilômetros de Belém, capital do Estado. Segundo estimativas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, a cidade tem 31.975 habitantes. 

Seu nome é uma referência ao general Emílio Garrastazu Médici, que presidiu o Brasil de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974, durante a ditadura militar. A cidade foi fundada por conta da construção da Rodovia Transamazônica (BR-230), iniciada na ditadura, no período em que Médici comandava o regime. 

Ao longo do governo dele, a ditadura atingiu seu pleno auge, com controle das poucas atividades políticas toleradas, a repressão e a censura às instituições civis foram reforçadas e qualquer manifestação de opinião contrário ao sistema, foram proibidas. Período marcado pelo uso sistemático de meios violentos de repressão como a tortura e o assassinato, conhecido historicamente como Anos de Chumbo.