Marcus Pestana

Angela Merkel, a Alemanha e o Brasil

Temos algo a aprender com ela e com o processo político alemão

Por Da Redação
Publicado em 02 de outubro de 2021 | 03:00
 
 

Fecharam-se as urnas na Alemanha. Revelou-se a esperada pulverização da representação no Parlamento alemão. Angela Merkel se despede da vida pública. Será que nós, brasileiros, temos algo a aprender com ela e com o processo político alemão?

Merkel assumiu o posto de chanceler alemã em 2005, após ter sido ministra do Meio Ambiente do governo Helmut Kohl e líder da oposição no governo da social-democracia alemã subsequente. Sendo química quântica, logo revelou seu talento para decifrar a “química da política”. Foi a mais destacada estadista global dos últimos anos, ao lado de Barack Obama, e a mais longeva.

Foi a grande responsável pela consolidação da União Europeia e da Zona do Euro, com destacado papel no Tratado de Lisboa e na Declaração de Berlim.

Embora seu partido, a União Democrata-Cristã (CDU), seja classificado como de centro-direita conservadora, tomou posições extremamente progressistas na crise financeira global de 2008; na reforma do sistema de saúde alemão; nas discussões sobre a matriz energética, fontes renováveis e aquecimento global; e, na crise migratória, se diferenciou dos líderes mundiais de extrema direita, como Trump. Em vez de muros, construiu pontes humanitárias.

Merkel teve papel destacado no G7 e na manutenção de uma posição de equilíbrio no mundo globalizado. Tinha fobia de cães, traço adquirido na infância, e enfrentou a incivilidade de Putin, numa coletiva conjunta, quando o líder russo, para intimidá-la, apareceu com seu labrador retriever. Sua personalidade marcante e seu caráter ficaram claros em declaração posterior: “Eu entendo que ele tem que fazer isso – para provar que ele é homem –, ele tem medo da própria fraqueza”. Sua austeridade pessoal sempre encantou os alemães.

Nas eleições de 2021, há uma semana, mais uma vez esboçou-se a complexa pulverização da representação partidária no Bundestag. A social-democracia fez 25,7% dos votos e 206 cadeiras. A aliança CDU/CSU fez 24,1% e 196 deputados. O Partido Verde roubou da extrema direita a posição de terceiro maior partido, com 14,8% dos votos e 118 cadeiras. O Partido Democrático Liberal (FDP) totalizou 11,5% dos votos e conquistou 92 postos no Parlamento. A extrema direita representada pela AFD caiu para 10,3% dos votos e terá 83 deputados. A esquerda foi salva pelo gongo. Fez 4,9% dos votos, mas, mesmo não cumprindo a cláusula de barreira de 5%, elegeu três deputados distritais, carregando 39 representantes para o Parlamento.

Tudo indica que o candidato da SPD, Olaf Scholz, será o novo chanceler, mas terá que organizar maioria estável com Verdes e Liberais, deixando a CDU na oposição. Scholz, apesar de oposição a Merkel, era seu ministro das Finanças. Coisas do parlamentarismo para embaralhar a cabeça dos brasileiros entretidos como a polarização radical e estéril. Aliás, três dos quatro mandatos de Merkel foram baseados em acordos programáticos entre a CDU e a social-democracia alemã.

O que temos a aprender? Primeiro, que um verdadeiro estadista tem que ter convicções, posições claras, firmeza e liderança. Segundo, a superioridade do parlamentarismo e do voto distrital misto, que sempre defendi no Congresso brasileiro, para a estabilidade institucional e a construção do futuro. Terceiro, que o diálogo, a negociação e o respeito aos diferentes é a matéria-prima essencial da política.