Jornadas de junho

Modo de manifestar mudou

Organização de atos fica mais horizontal, com líderes renunciando ao protagonismo

Seg, 18/06/18 - 03h00

As manifestações de cinco anos atrás pegaram os políticos de surpresa, principalmente pela maneira como elas foram conduzidas: sem pauta definida e sem liderança unificada e disposta a negociar. Surgiu então um novo modo de protestar.

“No passado, as grandes manifestações como a dos caras pintadas, em 1992, que pediam o ‘Fora, Collor’, foram chamadas por movimentos estudantis e sindicatos. Tínhamos uma organização centralizada. Em 2013, o estopim é o passe livre, mas o movimento não consegue controlar o crescimento das manifestações. Uma das dificuldades que isso proporciona é a de não saber quando parar”, avalia o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora, Paulo Roberto Figueira Leal.

Apesar de não ter lideranças visíveis e essa ser uma grande dificuldade para a classe política na hora de negociar e mesmo entender quais são as demandas, o cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais Ricardo Fabrino explica que isso não é sinal de ausência de toda uma estrutura nos bastidores. 

“Fazem parte dos protestos contemporâneos a não observância de lideranças e certa horizontalidade. As organizações mudam a forma de atuar e vão para os bastidores. Não temos carro de som com megafone. Temos pessoas com máscaras. Temos grupos escolhendo cada hora uma pessoa para dar entrevista e, assim, dificultar a identificação de lideranças. Essa é uma nova forma de protestar e pode ser observada no mundo todo, como na Primavera Árabe, em protestos na Ucrânia, na Itália, entre outros países. A estratégia é renunciar ao protagonismo do movimento”, dimensiona Ricardo Fabrino.

Na época, o então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho (PT), demonstrou como o governo não conseguia entender o que estava acontecendo: “Nós somos acostumados com mobilização com carro de som, com organização, com gente com quem negociar e poder fazer um tipo de acordo”. Carvalho era o responsável pela interlocução do governo com os movimentos sociais. Ou seja, o governo estava despreparado para lidar com os protestos.

Impulso. Outro “efeito colateral” dos protestos difusos e sem liderança definida foi o incentivo a diversos partidos, da direita e da esquerda, além de movimentos sociais, que viram, assim, a oportunidade de se introduzirem no movimento com suas reivindicações e convicções distintas. 

Para especialistas, esse momento é marcado por uma falta de ideologia única, porém com um grito popular de insatisfação. “Temos um ciclo de protestos que gera a possibilidade para a manifestação conjunta de pessoas com visões políticas diferentes. O que amarra as diferenças são a negação da forma institucionalizada de fazer política e o anseio por formas mais diretas de fazê-la. As manifestações também permitem o processo de identificação ideológica e, em seguida, o de polarização, que pôde ser visto claramente nas eleições presidenciais de 2014”, explica Fabrino.

Greve

Identidade. A paralisação dos caminhoneiros no mês passado reflete essa falta de liderança e organização nos bastidores. Os motoristas se organizavam pelo WhatsApp e evitavam assumir o protagonismo do movimento.

Dificuldade de sair do papel

Segundo levantamento do G1, cinco anos após os protestos de junho de 2013, apenas parte das medidas anunciadas pelo governo federal para tentar frear as manifestações foi cumprida. As propostas que continuam no papel são: ampla e profunda reforma política; pacto pela responsabilidade fiscal; investimento de R$ 50 bilhões em mobilidade urbana e tornar a corrupção crime hediondo. Entre as promessas realizadas, está a criação do programa Mais Médicos, a sanção da lei que destina 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% para a saúde e o arquivamento da PEC 37, que retirava o poder de investigação do Ministério Público.

Vozes buscam ecoar

Tímido durante os protestos, o pedido de intervenção militar cresceu em número de apoiadores e deixou de ser ato isolado de admiradores da ditadura militar. “Isso é um indicativo de descrença na democracia. É fundamental que a centralidade da democracia seja resgatada. Vivemos um tempo de incerteza, e a classe política tenta se localizar diante de um novo cenário”, afirma o cientista político Ricardo Fabrino. Além disso, a classe política passou a procurar outros canais para tentar ouvir a população, como por exemplo, as redes sociais. “Mas se isso é bom ou ruim, só saberemos no futuro”, define também o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal.

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