Santa Rita do Sapucaí

Motorista da prefeitura recebe mais do que secretário e médico

Servidor foi apostilado, e valor do maior salário acabou adicionado ao cargo menor

Por Thiago Alves
Publicado em 28 de janeiro de 2020 | 21:35
 
 
Prefeitura de Santa Rita do Sapucaí Foto: Google Street View/Reprodução

Um dos mais importantes polos tecnológicos do Brasil, Santa Rita do Sapucaí é uma cidade no Sul de Minas que atrai talentos de várias partes do mundo interessados em desenvolver suas habilidades com o objetivo de conquistar os altos salários que o ramo da tecnologia oferece.

No entanto, um servidor da prefeitura não precisou estudar as linguagens de programação para alcançar altos vencimentos. Motorista do órgão, César Antônio Patta, filiado ao Partido Liberal, recebe mensalmente ordenados superiores aos praticados no mercado tecnológico e acima também dos da maioria das demais profissões do funcionalismo público local – incluindo dos postos de chefia de gabinete do prefeito (R$ 4.631), médico cirurgião (R$ 5.481), procurador geral (R$ 5.058), psiquiatra (R$ 5.174) e secretário municipal (R$ 6.276,22).

Patta dirige em tese, os veículos da Secretaria Municipal de Transportes, Trânsito e Mobilidade Urbana. No ano passado, segundo o Portal da Transparência, recebeu R$ 83.527 – média mensal de R$ 6.425. Os demais 49 condutores que possuem o mesmo cargo na prefeitura ganham salários mensais de R$ 1.421 em média.

O motorista do gabinete do prefeito é o segundo da lista com os maiores vencimentos entre os condutores, com salário de R$ 2.287. O valor recebido pelo profissional responsável por levar o chefe do Executivo em seus deslocamentos diários está dentro do praticado no mercado privado, de acordo com a Vagas, empresa especializada em recrutamentos de profissionais. A consultoria lista a função de motorista executivo no Brasil com remunerações de R$ 2.276 em média. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), disponibilizado pelo Ministério da Economia, aponta que o salário médio no país é de R$ 1.626.

Patta já ocupou o cargo de secretário da Fazenda de Santa Rita do Sapucaí e, de acordo com informações da assessoria da prefeitura e com os dados disponíveis no Portal da Transparência, ele continua recebendo o salário da época, mesmo após ter deixado a função

Avaliação

Para o professor de direito administrativo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Florivaldo Dutra de Araújo, trata-se de prática de apostilamento – quando um funcionário público exerce um cargo de confiança, normalmente com vencimento superior ao da antiga função, e, após ser exonerado, a diferença na remuneração é incorporada ao salário antigo dele, mantendo o valor mais alto de quando era comissionado.

“Isso foi extinto na esfera federal na década de 90 e, em Minas, acabou no início dos anos 2000. Não é considerado inconstitucional, mas, do ponto de vista administrativo, gera problemas porque aumenta em muito a despesa. Não é bom para a administração pública”, explica Araújo.

Segundo o professor, para acabar com a prática, o chefe do Executivo tem que enviar um projeto de lei para a Câmara Municipal propondo o fim do apostilamento. “Aquelas pessoas que já adquiriram esse direito continuam recebendo. A partir do momento em que a legislação é alterada, os que vêm a ocupar cargos de confiança não recebem mais as vantagens quando deixam a função”, esclarece.

Pouso Alegre discute regra

Não é só Santa Rita do Sapucaí que possui disparidades na folha salarial por causa do apostilamento. Também no Sul de Minas, Pouso Alegre tem dois motoristas com salários acima do convencional para o cargo.

Sterlino Steiner Gonçalves, da Secretaria de Obras, e Pedro Luiz Coutinho, do gabinete do prefeito, recebem R$ 8.600 mensais, conforme o Portal da Transparência, sendo que a média na prefeitura é de R$ 2.208. Segundo o vereador Bruno Dias (PL), eles integram os 400 trabalhadores apostilados da cidade e geram um custo a mais na folha de R$ 4 milhões ao ano.

“Sempre existiu o apostilamento aqui, mas, na década passada, ele foi aumentado. Não é só uma injustiça moral com a população e com os outros servidores, que desempenham a mesma função e têm salários menores, mas uma questão financeira também”, afirma.

Está marcada uma sessão na Câmara para esta quarta, às 16h. Nela, os parlamentares deverão votar, em segundo turno, o projeto que retira da Lei Orgânica o apostilamento. Se for aprovado, o texto seguirá para sanção do prefeito Rafael Tadeu Simões (PSDB). Procurado, ele não se manifestou.