Congresso

Mudança na lei da improbidade administrativa divide especialistas

Nova regra passa a considerar se gestor público teve ou não intenção de cometer o erro

Por Thaís Mota
Publicado em 19 de junho de 2021 | 06:00
 
 
Câmara dos Deputados Foto: Najara Araújo / Câmara dos Deputados

Aprovada por ampla maioria dos votos na Câmara dos Deputados, a alteração na Lei de Improbidade Administrativa, que agora segue para discussão no Senado, divide opiniões entre juristas.

Se por um lado, há quem diga que a medida corrigiu distorções da lei aprovada há 30 anos e em vigor atualmente, por outro, há fortes críticas ao texto aprovado no sentido de que ele aumenta a impunidade no país.

A principal e mais polêmica mudança trata da questão do dolo para que um caso seja considerado crime de improbidade. Na legislação atual, gestores públicos podem ser condenados mesmo que não haja comprovação de sua intenção de causar danos aos cofres públicos. Essa era uma demanda antiga de gestores, que afirmam que a legislação atual representa um desafio para a administração pública.

Na avaliação do advogado especialista em Direito Público e professor da Escola Paulista de Direito (EPD), Marcelo Aith, a mudança foi importantíssima para “desengessar” a gestão pública.

“A culpa, nada mais é que uma ação de negligência, imprudência, imperícia, algum erro (mesmo que grosseiro) praticado pelo agente público e que geram ações de improbidade de forma açodada pelo Ministério Público. E a alteração trazida no artigo 10 foi muito importante na medida em que vai tirar esse engessamento do gestor que, hoje, pelas ações propostas pelo MP acabam levando o prefeito ou o presidente de uma Câmara a agirem com receio de praticar um ato de improbidade”, avalia.

Já o procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC), Roberto Livianu, tem um entendimento diverso e disse que a lei foi criada na década de 90 justamente para permitir a responsabilização de gestores públicos também por atos culposos, ou seja, sem intenção. 

“A (principal) caraterística da lei é justamente punir os atos de improbidade cometidos ou quando há enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público ou violação de princípios. E obviamente que a lei foi criada para punir esses atos independentemente de elementos subjetivos, ou seja, para punir improbidades dolosas ou culposas. O que se está fazendo agora é simplesmente deturpar a razão de ser da própria lei”, argumenta. 

Ele afirma também que a mudança abre brechas para a impunidade de casos de improbidade que atentam contra a administração pública, previstas no artigo 11 da Lei 8429/92. “É o caso das carteiradas, os desvios de vacinas como as 60 mil doses que desapareceram em Manaus.Tudo isso são improbidades sem dano ao patrimônio público e que são puníveis com base no artigo 11”, disse. 

Aith rebate dizendo que, em casos como esses, tanto a administração pública quanto o próprio MP, podem propor Ações Civis Públicas. “Agora, com relação aos atos de omissão, isso não vai gerar uma impunidade. A gestão pública ou mesmo o Ministério Público podem promover uma ação, mas não de improbidade, mas uma Ação Civil para reparação de danos por ato omissivo por parte do gestor público”, pontua.. 

A medida foi aprovada com 408 votos a favor e 67 votos contra beneficia diversos parlamentares que respondem a ações de improbidade administrativa, entre eles o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), que já foi condenado em duas ações na Justiça de Alagoas e pode ser beneficiado pela medida.

Prazos de prescrição 

Outros pontos polêmicos da proposta aprovada na Câmara foram a prescrição para casos de improbidade e a mudança nas penas. No caso do prazo prescritivo, a alteração prevê que um ato de improbidade prescreverá em oito anos a partir da data de cometimento da ilegalidade.
 
Na lei atualmente em vigor, o prazo para prescrição para propor ações é de cinco anos contados a partir do final do mandato do gestor público. Segundo os especialistas, o mesmo prazo é previsto para o ressarcimento aos cofres públicos, o na pratica hoje em dia tem sido considerado imprescritível.
 
Nesse caso, os especialistas também divergem. “O dano ao erário é tratado como imprescritível, o que chega a ser uma porta aberta para pressionar o gestor público. Imagine uma ação que ocorreu há 20 anos e depois de todo esse período gera uma ação com todas as correções e implicações, o MP deixa o barco andar e não propõe ação alguma de ressarcimento e no futuro propõe uma ação contra um político em um valor astronômico, disse o advogado marcelo Aith. E emendou: “Até as ações penais têm prazos prescricionais por que uma ação de improbidade não teria que ter esse limite?”, questionou.
 
Já o procurador Roberto Livianu criticou as medidas.  “Historicamente, já se construiu essa visão no sentido de que, o artigo 37, parágrafo 5º da Constituição, dispõe que existe prazo prescricional para aplicar as punições de impunidade, mas não para obter os ressarcimentos ao patrimônio público. O que foi feito na quarta-feira é que agora existe prazo sim, estabeleceu-se prazo de oito anos para ressarcimento, sendo que a Constituição estabelece que não há esse prazo. Portanto, o que se fez foi também rasgar a Constituição e desprezar a interpretação que o Supremo faz da própria Constituição”, rebateu.
 
Em relação à pena máxima de perda dos direitos políticos, houve um aumento para 12 anos. Atualmente, a pena máxima é de oito anos. Além disso, o magistrado terá liberdade para estipular as punições. 
 
A lei também definiu a competência exclusiva do MP para propor ações de improbidade administrativa e um prazo de 180 dias para a conclusão de investigações, o que segundo Roberto Livianu, é um absurdo.
 
“É uma regra terrível e cruel porque impõe ao Ministério Público um prazo de seis meses para concluir uma investigação”, disse, e afirmou que o propósito “colocar o direito à impunidade garantido por lei” já que há investigações complexas que demandam alguns anos de levantamento e análise de provas.