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O contido 'menino do Lula'

Josué Alencar foi preparado pelo pai, José Alencar, para ser sua ‘cópia melhorada’ em todos os aspectos

Dom, 25/02/18 - 03h00

Aos oito anos, Josué já brincava com o pai de criar empresas, eliminar desperdícios e vender seus produtos. Treinado desde cedo para os negócios, o filho do ex-vice-presidente José Alencar aprendeu ainda jovem lições básicas de contabilidade. Disciplinado para alguns e sem carisma para outros, o menino-prodígio, único filho homem, foi bem preparado pelo pai. A ideia do ex-vice-presidente era de que Josué fosse sua cópia melhorada, pelo menos nos negócios da família. Na política, apesar de ser considerado curinga para muitos, o empresário vive à sombra do pai.

Para as eleições deste ano, Josué vem sendo cotado para disputar a Presidência pelo presidente Michel Temer, para vice em um possível chapa encabeçada por Lula, para o governo de Minas Gerais por emedebistas e até mesmo para o Senado por vários outros grupos no Estado.

Dono de um império têxtil e herdeiro da Coteminas, Josué, 54, – que adotou o sobrenome Alencar na eleição de 2014, quando concorreu ao Senado por Minas Gerais –, lembra o pai até no semblante e no timbre de voz. Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em direito pela Faculdade Milton Campos, Josué conciliou as duas graduações ao mesmo tempo enquanto se desdobrava nos escritórios da família no período da tarde.

A dedicação e a obediência foram, inclusive, motivo de grande festa quando Josué foi aprovado nos dois vestibulares. Mais tarde, foi fazer MBA na Universidade de Vanderbilt, no Tennessee, nos Estados Unidos. O herdeiro só assumiu o comando das empresas aos 31 anos, quando o José Alencar decidiu deixar a vida empresarial para se dedicar integralmente à política.

O preparo não foi à toa. Aos amigos próximos, José Alencar dizia que queria dar todas as oportunidades que não teve ao filho, diferente do menino pobre de Muriaé, sem muitos estudos, que começou trabalhar aos sete anos na loja do pai. Embora as dificuldades tenham sido diferentes, o tino para os negócios parece ter sido genético. Se o pai foi o responsável por conduzir a Coteminas na fuga do país dos juros altos, Josué, que apesar de já ter nascido quando Alencar era o principal atacadista de tecidos do Estado, foi quem elevou os negócios para a terra prometida da internacionalização. Hoje, a Coteminas é a maior fabricante de tecidos de cama, mesa e banho do Brasil e uma das maiores do mundo.

Contrastes. Diferente de José Alencar, sem grandes amigos na política, Josué é tido como reservado. Tenista aos fins de semana e torcedor fanático do Atlético Mineiro, o empresário herdou do pai as amizades e as considerações de Lula. O petista, inclusive, acreditaria ter uma “dívida” com Josué por conta da relação que mantinha com o pai. “Foi preparado para a atividade empresarial do pai, mas na convivência é o menino do Lula. Ele (Josué) o chama de presidente, não faz nada sem o consultar”, conta um marqueteiro que participou de sua campanha ao Senado. “Ele é cauteloso, um pouco desconfiado, mas muito qualificado tecnicamente. Nunca quis disputar espaço na política, tanto que não tem um grupo. Ele ainda precisa aprender a nadar, tem fôlego, boa respiração, mas não sabe”, acrescentou.

De semblante quase sempre sério, Josué passa um tom intelectual. “É mais contido que o pai. Não fala intuitivamente, não é como um político que fala pelos cotovelos, ele pensa muito em tudo o que fala. Mas é leal, não estaria em um projeto que batesse de frente com o pai ou o Lula. Ele tem o que o eleitor procura, não vive de política e é um empresário bem-sucedido. Não é um político profissional. Na trajetória da família não constam processos e denúncias”, diz o deputado federal Saraiva Felipe (MDB).

Para outros, a timidez é vista como antipatia. “Só o toleram em respeito ao pai e por tudo que o José Alencar representou para Minas. Se não fosse isso, seria um bobo alegre”, opina um empresário do ramo, que não quis ser identificado.

Filiado ao MDB, se pleitear algum cargo pela legenda, Josué pode não ser tão querido no partido. “É muito pessoa de difícil acesso. Misterioso, até. Tanto que durante a campanha de 2014, ele vinha para Minas, passava o dia em campanha, e voltava para São Paulo, onde mora. Ele sequer dormia aqui”, revelou um funcionário.

 

Patrimônio de R$ 96 milhões

À Justiça Eleitoral, em 2014, Josué Alencar informou que seus bens batem a casa do R$ 96 milhões, superando inclusive o patrimônio dos candidatos ao governo de Minas nas últimas eleições, bem mais modestos. Mas o que chama a atenção na declaração patrimonial do empresário é a extensa relação de bens, contendo itens inusitados.

Além de quotas de capital de empresas, ações e imóveis, Josué incluiu bandejas, quase uma dezena de aparelhos celulares, câmera digital, esteiras, TV de LED, relógio, objetos de arte, joias e até uma poltrona Jansen, declarada no valor de R$ 10.200.

O emedebista coleciona ainda obras de arte avaliadas em quase R$ 1 milhão. O possível candidato declarou também um bracelete, no valor de R$ 100 mil, um colar de R$ 55 mil, além de um relógio de R$ 96.200.

Fortuna. O filho do ex-vice-presidente da República José Alencar multiplicou o patrimônio milionário que herdou do pai. Desde que assumiu o comando da Coteminas, Josué conseguiu mais que dobrar a receita da companhia. Em um dos últimos balanços da empresa, o lucro líquido bateu R$ 167 milhões. “Ele tem uma ambição positiva, vontade de crescer. Ele se espelha muito no pai. Ele é um sucesso, mas para ele, a lição que fica do pai, seja na vida pública ou privada, é ter um comportamento digno”, avaliou o presidente do Sindilojas-BH, Nadim Donato.

Coteminas

Crescimento. Fundada em Montes Claros, no Norte do Estado, a Coteminas possui hoje 11 unidades fabris no país, além de operações em outros países, como Argentina, Estados Unidos e México.

Trajetória política

2014. Josué Alencar concorreu a uma vaga no Senado, mas perdeu para o ex-governador Antonio Anastasia (PSDB). Na sua primeira disputa eleitoral, arrebanhou pouco mais de 3,6 milhões de votos no Estado.

2018. Em meio ao racha no MDB entre os que defendem uma candidatura de oposição e os que querem manter a aliança com o PT, o nome do empresário ganha força para disputar o governo, caso o partido opte por concorrer. Cotado por diversos grupos, pessoas próximas a Josué apostam mais na candidatura ao Estado.

Opiniões

“Sua primeira candidatura no Estado foi para mostrar a cara na política para depois alçar voos maiores. Tinha e tem um potencial enorme. Ele mesmo se subestimou.”

Nilmário Miranda

Ex-deputado e atual secretário de Direitos Humanos e Cidadania do governo Fernando Pimentel (PT)

“Quando o José Alencar estava em Brasília, ele ligava para o Josué e ficava horas ao telefone com ele. É uma pessoa que tem trânsito e reputação com todos os grupos.”

Luiz Carlos

Presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas de Minas Gerais

“É uma pessoa de difícil acesso e misterioso até. Tanto que, durante a campanha de 2014, ele vinha para Minas, passava o dia em campanha, e voltava para São Paulo, onde mora. Sequer dormia aqui na maioria dos casos.”

Ex-funcionário que pediu anonimato

“Pela competência e credibilidade seria uma pessoa com perfil e experiência. Tem preparo. Era o orgulho do pai.”

Olavo Machado

Presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg)

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