Rombo

Pagamento de dívida tiraria serviços essenciais de Betim

Betim vai acionar PF, Lava Jato e TCU contra suposta dívida cobrada pela Andrade Gutierrez

Seg, 31/07/17 - 03h00
Na última quarta, cidadãos protestaram na Assembleia e na sede da Andrade Gutierrez | Foto: Alex de Jesus – 26.7.2017

A dívida que a construtora Andrade Gutierrez cobra de Betim, que alcança R$ 500 milhões com juros e correções, irá impactar profundamente na situação financeira da cidade. Se a prefeitura tiver que pagar essa cobrança milionária a partir deste ano, o município, que já vem enfrentando queda de arrecadação devido à crise econômica, ficará inviabilizado financeiramente, o que afetará a prestação de serviços essenciais na saúde, na educação e no social.

Para a população ter uma ideia do impacto que a cobrança pode causar, a prefeitura gasta cerca de R$ 44 milhões por ano com investimento social. Segundo o prefeito Vittorio Medioli, os R$ 500 milhões cobrados pela AG representam 12 anos de investimento nessa área. “O estrago será devastador para Betim. Se tivermos que pagar, doerá muito ter que destinar esse dinheiro a uma das mais corruptas empreiteiras do país”, afirmou Vittorio.

Núcleo familiar. Segundo o prefeito, se a dívida fosse dividida entre as famílias de Betim, cada uma teria que pagar R$ 4.000 para a empreiteira. “Essa cobrança se abate sobre o povo de Betim, que há quatro anos assistiu a sua receita cair em 25%, seus custos aumentarem e a situação financeira ser estrangulada. O efeito é gravíssimo e creio que cada betinense sofrerá uma ofensa aos seus direitos”, ressaltou.

“Com relação ao funcionalismo público, que há quatro anos não tem reajuste salarial, o valor cobrado pela AG anula um aumento de 2% que tínhamos planejado. A concessão desse reajuste aos servidores representaria R$ 20 milhões por ano”, acrescentou Vittorio.

Recurso. Segundo o procurador geral do município e secretário de Governo, Bruno Cypriano, a prefeitura já entrou com agravo interno (recurso) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) contra a decisão da desembargadora Hilda Teixeira da Costa que determina o pagamento da dívida à construtora Andrade Gutierrez.

“Nós também notificamos o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), uma vez que essas obras foram realizadas com recursos federais. Vamos enviar uma cópia do processo à operação Lava Jato, solicitando que, no acordo de leniência que a Andrade Gutierrez assinou, os executivos da AG também falem sobre Betim. No acordo, eles têm obrigação de relatar sobre ilicitudes presentes e também das passadas”, disse.

Ações. O prefeito ressaltou que entrará com as medidas criminais cabíveis. “Pediremos ao Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalizar o processo que teve origem no projeto Cura, e solicitaremos que a Polícia Federal abra investigação que permita apurar quem praticou atos criminosos. Ainda cabe uma ação de transferência do polo passivo. Isso significa transferir a dívida do município para o prefeito de 1991, e quem colaborou nesse sentido”, finalizou Vittorio.

Indignação. Revoltados com a cobrança, cidadãos e movimentos sociais de
Betim fizeram atos na última semana em frente da sede da Andrade Gutierrez e na Assembleia Legislativa, em Belo Horizonte.
 



Indícios de fraude na cobrança

Na ação movida pela prefeitura, o procurador geral do município e secretário de Governo, Bruno Cypriano, apontou vários indícios de irregularidades e suspeitas de fraudes que cercam a cobrança da Andrade Gutierrez. As obras que originaram a suposta dívida já teriam sido pagas pelo governo federal, por meio do projeto Cura, que era financiado pela Caixa Econômica Federal. Mas a prefeitura não havia arguído, até este ano, a falta de comprovação da execução das obras, apesar de uma outra ação sobre a cobrança ter tramitado até 2010, quando o município foi condenado a pagar a dívida.

Segundo o procurador, um dos indícios de irregularidades que envolvem a cobrança da AG são os cinco termos aditivos ao contrato assinados por Osvaldo Franco na época em que as supostas obras estavam sendo executadas. Eles foram feitos após o vencimento do contrato e sem prévio empenho, elevando o valor das obras em 400%.

Cypriano ressaltou ainda que “essa cobrança foi baseada apenas em duas confissões”. “A ata de uma reunião feita pelo ex-prefeito Osvaldo Franco, em 1982, e uma confissão de dívida assinada em 1991 pelo então prefeito Ivair Nogueira (hoje deputado pelo PMDB), que não possuem qualquer substrato técnico”, afirma.

“O então prefeito Ivair Nogueira reconheceu a dívida no mesmo dia em que foi feito o pedido. Nesses documentos não consta o timbre da prefeitura. Eles foram impressos em impressora matricial, sendo que o município não possuía este equipamento na época”. A informatização da prefeitura teria se dado só em 1992.


Confissão ocorreu em apenas um dia

O prefeito Vittorio Medioli ressaltou que a cobrança baseia-se em uma confissão de dívida questionável, assinada em 11 de outubro de 1991, pelo então prefeito Ivair Nogueira.

“Esse valor não tem justificativa, baseia-se apenas numa declaração insana do prefeito da época. Betim nunca foi defendida como precisava. Basta ler os documentos que inventaram essa dívida, cuja exigibilidade estava prescrita há muito tempo, por se tratar de uma obra finalizada há mais de nove anos, e, portanto, estava extinta e incinerada. O Ivair respondeu um pedido baseado apenas na informação de um funcionário da prefeitura. Ora, se fosse verdade que essa dívida existia, a empreiteira teria cobrado em juízo antes da dívida prescrever, o que ela não fez. Não estamos questionando um adversário político, mas sim um ato irresponsável, que ninguém teve a coragem de apontar como nulo”, destacou o prefeito atual.

O ex-prefeito Ivair Nogueira afirmou que só aceitou a dívida após consultar o Tribunal de Contas do Estado (TCE–MG). Contudo, Vittorio Medioli questiona essa alegação. “Seria impossível qualquer consulta ao TCE, pois Ivair respondeu no mesmo dia com uma carta que sequer tinha número de expediente”, concluiu.


Não havia dívida, diz ex-prefeito

FOTO: Ronaldo Silveira
Braga diz que nunca houve restos a pagar à Andrade Gutierrez

O ex-prefeito Tarcísio Braga, que governou a cidade entre 1985 e 1988, após o falecimento de Newton Amaral durante o mandato, afirmou que, em sua gestão, não havia comprovação de pagamentos feitos à Andrade Gutierrez. “Na prestação de contas que fizemos na época, nunca constou, nem na dívida fundada do município, nem em restos a pagar, nenhum valor diretamente ligado à Andrade Gutierrez. Nos balanços financeiros da prefeitura não constavam empenhos destinados à pessoa jurídica da construtora. O que havia eram pagamentos, da amortização da dívida, feitos para instituições financeiras que financiavam as obras. Então, como o projeto Cura era do governo federal, foi ele quem acertou com a empresa”, afirmou.

Ainda segundo Braga, durante o seu período à frente da prefeitura, a empreiteira nunca solicitou oficialmente nenhuma cobrança ao município. “Quando você é devedor e passa algum tempo sem pagar o credor, esse cobra de quem deve. Mas a construtora jamais requereu oficialmente qualquer tipo de ressarcimento referente a essas obras no meu mandato”.

Braga ainda reforça que não havia documentos que atestassem a realização das obras. “Na contabilidade da prefeitura, na minha época, nunca foi encontrado nenhum tipo de documento referente a essa dívida, nem empenhos, nem medições de realização das obras e onde teriam sido realizadas, e nenhum relatório técnico que atestasse tecnicamente essa dívida”.

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