Maquiagem

Pedalada fiscal é recorrente, mas governo passou do ponto 

Especialistas afirmam que não é de hoje que governantes usam contabilidade criativa

Sáb, 25/04/15 - 03h00
Defesa. José Eduardo Cardozo e Luís Adams já deram coletiva para negar ilegalidade na pedalada | Foto: ANDRÉ DUSEK

Apontada como principal argumento para eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a prática de maquiar a situação financeira do país é comum, mas vem se intensificando ao longo dos anos. Isso se dá quando o governo posterga pagamentos previstos no orçamento para criar superávit primário.

Os chamados restos a pagar processados – ou seja, dívidas de serviços já prestados até aquele ano e obrigações já assumidas – passaram de R$ 6,5 bilhões, em 2002, para R$ 38,4 bilhões, no ano passado, representando, no período, aumento de 590%. Ao longo desse tempo, o orçamento cresceu pouco mais de 300%. Rolando o pagamento para o ano seguinte, há a sensação de que existe mais dinheiro nos cofres públicos, e, assim, fica mais fácil o governo comprovar que cumpriu as metas do chamado superávit primário (economia para pagar dívidas).

É essa conhecida contabilidade criativa, permitindo legalmente atrasar pagamentos, que ganhou o nome, entre economistas, de “pedalada fiscal”.

Inicialmente, a medida não é ilegal, mas pode levar a problemas mais graves. Por isso, o Tribunal de Contas da União(TCU) pede explicações para o governo federal no processo que envolve o atraso em repasses para bancos.

“O que foi feito, aparentemente, é um banco público pagar despesas sem ter o dinheiro do Tesouro. Isso é proibido explicitamente pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, considera o economista Raul Velloso.

Em 2014, os bancos pagaram dívidas de benefícios sociais, e o TCU entende que tal manobra fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que proíbe a União de ser financiada por um ente estatal.

Pesquisador de economia aplicada da Fundação Getúlio Vargas, Bernardo Fajardo ressalta que a chamada “pedalada” sempre existiu e foi muito comum Nas décadas de 80 e 90, antes da LRF, quando o país era tomado de hiperinflação.

“A pedalada fiscal passou a ser feita de forma sistemática para atender exigências (de superávit primário) do Fundo Monetário Internacional (FMI)”, destaca.

“Com a pedalada cria-se artifícios para apresentar resultados que não são reais. É um orçamento paralelo e vem se intensificando”, completa o economista Gil Castello Branco.

A presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, Lucieni Pereira, pondera sobre o mecanismo legal de restos a pagar. “Caso o governo fosse injetar esses pagamentos, teríamos um processo inflacionário. É uma situação que não se pode mudar de uma hora para outra, e é preciso cobrar regulamentação, pelo Senado. Não existe receita de bolo”.

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