Corrupção

Prisões atordoam meio político

Desde a redemocratização, Brasil nunca viu tantos membros do Legislativo atrás das grades

Por Fransciny Alves
Publicado em 18 de dezembro de 2016 | 03:00
 
 
Na lista dos prisioneiros, está o ex-todo-poderoso Eduardo Cunha CASSIANO ROSÁRIO/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - 20.20.2016

No momento em que a briga entre Judiciário e Legislativo esquenta com a disputa de forças em torno da nova versão dada pelos deputados ao pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público, os números mostram por que o mundo político anda atordoado com os desdobramentos da Lava Jato.

Só neste ano, a maior operação de combate à corrupção do país mandou para a cadeia oito políticos. Se forem somadas as prisões efetuadas em 2015, quando a investigação avançou pelos gabinetes do Legislativo, já são 15 presos, entre ex-ministros, ex-governadores, ex-senadores e tesoureiros de legendas – um número recorde de detenções por corrupção no Brasil, desde a redemocratização.

Alguns dos investigados já tiveram suas penas decretadas. Se somadas, as punições aplicadas aos seis condenados são de pelo menos 117 anos e oito meses de prisão. A punição aplicada pelo juiz Sergio Moro ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto é a maior condenação até agora: 31 anos de prisão.

Entre os encarcerados neste ano estão figuras antes consideradas todo-poderosas como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) e o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB). Ambos são acusados de enriquecerem com dinheiro vindo do recebimento de propina.

Dos reclusos em 2015, só dois estão em prisão domiciliar e não foram condenados: o ex-senador Delcídio do Amaral e o ex-vereador de Americana (SP) Alexandre Romano.

Na avaliação do secretário geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, essas prisões são importantes, mas deveriam acontecer mais frequentemente, já que a prisão não significa a condenação. “Eles (os políticos) acabam cumprindo pena em um regime diferenciado porque têm bons advogados. Muitos não cumprem a pena na prisão, mas em casa, e outros ficam presos por um prazo mínimo e acabam absolvidos. De qualquer forma, é um processo que está em andamento”, analisa.

Já para o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Francisco César Pinto Fonseca, a Lava Jato teve muita credibilidade no início, mas foi se perdendo ao longo do tempo por investigar e prender “seletivamente”: “Essas prisões, que, num primeiro momento, davam a sensação de que o colarinho branco iria ser punido de maneira efetiva pela primeira vez no Brasil, não existem mais”.

Em relação às condenações da Lava Jato – normalmente acima de dez anos –, o cientista político da Unicamp Wagner Romão diz que essa é uma forma de pressionar os políticos a delatarem.

“Precisamos avaliar se a pena elevada está ligada à punição de quem cometeu o crime ou se está ligada a uma ameaça para que esse indivíduo faça a delação”, explica.

“Com as delações, aquele castelo de corruptos foi caindo como um castelo de cartas. Essa foi a grande novidade da Lava Jato”, discorda Castello Branco.

Outros casos. Também foram para a carceragem neste ano, mas por outras investigações, o ex-senador Luiz Estevão e o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR), que acabou solto após uma semana.

Cadeias. Os políticos que permanecem presos estão divididos entre as carceragens da PF em Curitiba e São Paulo; o Complexo Médico Penal do Paraná; a Papuda, em Brasília; e Bangu, no Rio.


Minientrevista

Gil Castello Branco
economista e secretário geral da ONG Contas Abertas

FOTO: Contas Abertas / Divulgação - 2.12.2016
Para especialista, políticos se mobilizam para intimidar o Judiciário

Diante desse cenário de vários políticos sendo presos, nomes importantes, como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, qual é o significado dessas prisões?

O país está mudando. Não na velocidade de que nós, brasileiros, de uma maneira geral, gostaríamos. Mas essas prisões de autoridades, de políticos e de empresários já sinalizam, de maneira clara, que o país está mudando. Porém, a prisão ainda não significa a condenação. Em vários desses casos, o que vemos é que algumas dessas investigações estão se arrastando por um tempo demasiado no Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto a primeira instância julga com rapidez, o STF vem julgando com uma demora extremamente elevada. Eu acho que o Supremo não tem vocação para projetos desse tipo. O Supremo deveria abrir mão dessa prerrogativa porque não vem julgando bem. E, ao demorar a julgar, ele acaba gerando prescrições e até impunidade.

Na avaliação do senhor, podemos esperar outras prisões de políticos importantes?

Sim, com certeza. Nós estamos num momento, como disse o ministro do STF (Luís Roberto) Barroso, que se parece com um jogo de tênis. A bola, neste momento, quicou na rede e subiu; ela pode cair de qualquer lado da rede. Se cair de um lado ou de outro, vai fazer uma enorme diferença no Brasil do futuro. Quer dizer, é um momento decisivo. Por um lado, nós estamos avançando nas investigações e nas condenações; por outro lado, os legisladores que são objeto dessa investigação estão tentando destruir a Lava Jato. É isso que nós vimos agora. Quanto mais as investigações e as condenações avançam, mais rapidamente aqueles que estão supostamente envolvidos tentam se proteger. Então, o problema é que, como muitos membros do Legislativo são alvos de investigação, eles estão tentando legislar contra os investigadores. Esse é o receio. Então, agora é um momento decisivo.

Talvez um momento parecido com esse seja o chamado mensalão, em que políticos importantes também foram alvos de investigação. Há como fazer uma comparação com essas prisões atuais? Há alguma semelhança entre os casos?

Eles se assemelham. Tudo está dentro do mesmo contexto. Então, tanto o mensalão como o petrolão caracterizam uma mesma estrutura de corrupção sistêmica. A meu ver, o que acontece é que, no mensalão, ainda não estava tão difundida a delação premiada. E é justamente contra esse processo que os parlamentares estão tentando se juntar. É este o mecanismo: amordaçar e intimidar procuradores e juízes na tentativa de prejudicar as investigações que estão em curso. Quando a selva pega fogo, os bichos se unem. Neste momento, a selva está em chamas porque uma grande parte do Congresso Nacional sabe que está envolvida na delação da Odebrecht. E esses políticos estão se articulando para tentar impedir que essas investigações caminhem da forma como estão acontecendo agora. Se, neste momento, acontecer um retrocesso, vamos levar muito tempo para chegar até o ponto em que estamos.


Investigados

Parentes e assessores também na mira

Não só políticos e empresários estão na mira da operação Lava Jato. Funcionários, assessores e até mesmo parentes de parlamentares se envolveram na maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Somente neste ano, sete assessores de políticos foram detidos.

Entre eles, está o testa de ferro do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB), Paulo Fernando Magalhães Pinto, que era assessor especial do político. O administrador de empresas é apontado pelos investigadores como laranja de Cabral. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o ex-governador cobrava propinas de empreiteiras para fechar contratos no Estado. Magalhães Pinto está preso em Bangu, no Rio de Janeiro, junto com o peemedebista.

A investigação da Lava Jato também prendeu parentes de políticos, como Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, que é irmão do ex-ministro José Dirceu. Preso e solto em agosto do ano passado, Silva era sócio de Dirceu na JD Consultoria e é suspeito de ir até empresas para cobrar propina.

O irmão do ex-deputado federal André Vargas, Leon Denis Vargas Ilário, também foi preso no âmbito da operação, assim como Marice Correa de Lima, que é cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Números. A Lava Jato já conduziu 200 pessoas coercitivamente para depor desde o início da operação, em março de 2014. A medida, que é alvo de polêmica, foi usada com o ex-presidente Lula.