Realidade

Projeto quer barrar indicação política em Tribunal de Contas

Em Minas, cinco dos sete conselheiros tiveram mandatos eletivos antes da nomeação ao TCE

Qui, 06/04/17 - 03h00

Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal deve votar parecer sobre a PEC 329/2013, que busca alterar a forma como é feita a composição do Tribunal de Contas da União (TCU), dos tribunais de Contas dos Estados, do DF e dos municípios. A proposta, cujo relatório do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) foi lido nessa quarta-feira (5) no colegiado, prevê a realização de concurso público de provas e títulos para as carreiras dos órgãos de Contas. Exige também formação em nível superior do indicado.

Se for aprovado, o texto mudará profundamente a realidade em todas as Cortes de Contas do país. Em Minas, por exemplo, dos sete atuais integrantes do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), cinco são oriundos da vida política: quatro eram deputados estaduais, e uma, a conselheira Adriene Andrade, mulher do ex-senador Clésio Andrade (PMDB), foi prefeita de Três Pontas, no Sul de Minas. Apenas os conselheiros Cláudio Terrão (atual presidente) e Gilberto Pinto são considerados de perfil técnico, não tendo tido cargos eletivos antes de virarem conselheiros.

Pela regra, três integrantes da Corte são escolhidos pelo governador, com a aprovação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e outros quatro são diretamente indicados pela ALMG.

Deputado estadual por seis legislaturas (de 1987 e 2011), o médico Sebastião Helvécio foi nomeado conselheiro do TCE-MG em 2009, após longa negociação com o então governador Aécio Neves (PSDB). Preocupado com a possibilidade de o PSDB perder a eleição à Prefeitura de Juiz de Fora, Aécio firmou acordo com Helvécio, cuja influência política se concentrava na Zona da Mata: trocar o apoio na disputa eleitoral pela nomeação à Corte.

A história, hoje propagada pelo próprio conselheiro a pessoas próximas, não é nenhuma novidade na vida do TCE mineiro. Recheada de benefícios, a carreira como conselheiro do TCE é desejada por muitos e tema de discussão ferrenha nos bastidores dos parlamentos. Só o salário bruto já atinge o teto: R$ 30 mil, fora os auxílios. Além disso, a posição de julgar denúncias de desvios e irregularidades é uma atração ímpar.

De acordo com um levantamento da ONG Transparência Brasil, em todo o país, 80% dos integrantes de tribunais de Contas chegaram aos cargos após exercerem mandatos eletivos ou altas funções em governos. A prática é vista por especialistas como uma das principais razões da ineficiência dos TCEs brasileiros. Para o coordenador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, urge alterar a forma como são compostos os conselhos desses tribunais.

“O que mais acontece é o apadrinhamento político. A indicação é feita puramente por questões partidárias, e não por competências técnicas. Não podemos demonizar a classe política nem endeusar os técnicos, mas é fato que hoje não há critérios fundamentados para se nomearem conselheiros”, diz.

“A regra (que exige notório saber) não é clara, mas é constantemente desrespeitada. Isso prejudica completamente as análises técnicas de possíveis fraudes ou irregularidades nas administrações públicas”, completa.

Em Minas, o conselheiro Mauri Torres é o único que não tem formação acadêmica. O ex-deputado por PMDB e PSDB (1991 a 2010) e ex-presidente da ALMG é ligado ao agronegócio. Nomeado em 2011, recebeu 63 votos de deputados, contra quatro do servidor técnico da Casa Alexandre Bossi, que possui duas graduações, mestrado e doutorado em finanças públicas, mas já foi derrotado cinco vezes na disputa para o cargo.

“Sempre é assim, um deputado sem conhecimento técnico e sem imparcialidade (vence). Como é que vão julgar as contas de aliados? Aí transformam o TCE em um órgão que deveria ser fiscalizador e temido, mas é apenas político”, argumenta Bossi. “Os benefícios atraem, mas é o poder o produto de desejo. Imagine julgar rivais e aliados? É muito poder”.

Aposentadoria

‘Premiado’. Segundo Alexandre Bossi, é normal ver deputados alegando que a nomeação ao TCE seria forma de “premiar” a carreira. “É a aposentadoria do político. Transformaram a Corte nisso”.


Outro lado

Corte diz que cumpre a Constituição

Questionado sobre o número de ex-políticos em seus quadros, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) afirmou que a escolha dos conselheiros “obedece, rigorosamente, ao que determina a Constituição Mineira em seu artigo 78”. A lei prevê que eles devem ter mais de 35 e menos de 65 anos; idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública; e mais de dez anos de exercício de função que exija esses conhecimentos. O TCE-MG afirma, ainda, que obedece à Lei Orgânica da Corte.

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