Lava Jato

Propina paga seria suficiente para ampliar metrô três vezes

Recursos pagos pela Odebrecht a políticos fariam uma revolução em obras em Minas Gerais

Por Lucas Ragazzi
Publicado em 24 de abril de 2017 | 03:00
 
 

Uma viagem para um hotel de luxo no Caribe, comprar uma mansão, fazer uma coleção de carros importados, garantir a segurança e estabilidade da família. Quem nunca imaginou o que faria com o prêmio em dinheiro de uma loteria? A revelação de que a Odebrecht movimentou cerca de R$ 10,6 bilhões em propinas entre 2006 e 2014 gerou questionamento semelhante: o que seria possível fazer de melhorias para a sociedade brasileira com este dinheiro, surrupiado dos cofres públicos?

Segundo levantamento feito por O TEMPO, um orçamento deste tamanho seria capaz de realizar impactos relevantes na infraestrutura de Minas Gerais. Só o projeto de ampliação do metrô de Belo Horizonte, por exemplo, com a ampliação da linha já existente e a criação de outras duas, passando pelos principais pontos da cidade, que está avaliado em R$ 3,1 bilhões, poderia ser executado três vezes.

Ex-diretor do setor de operações estruturadas da Odebrecht – área criada para efetuar o pagamento de propinas a políticos – Hilberto Mascarenhas foi o responsável por divulgar o número. De acordo com ele, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), os recursos eram movimentados em contas offshores em paraísos fiscais.

Segundo o professor Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o entendimento de que os R$ 10,6 bilhões distribuídos em propinas vieram dos cofres públicos é correto. “É fato que boa parte deste dinheiro veio diretamente ou indiretamente do caixa público, do erário. Estas empresas pagavam propina justamente para abocanhar valores altos em grandes obras, o que criava um ciclo vicioso”, argumenta, finalizando, “é dinheiro público comprando acesso a mais dinheiro público”.

Ações sociais como o Bolsa Família e o Farmácia de Minas, que não existe mais por falta de recursos, poderiam ser turbinados de forma poderosa. Só a atuação do programa federal em Minas, por exemplo, poderia ser multiplicada por sete vezes – beneficiando, assim, milhares de novas famílias. Já o Farmácia de Minas poderia ser não só totalmente custeado, como ampliado em mais de 265 vezes.

O colapso financeiro pelo qual Minas Gerais passa também poderia ser amenizado com a quantia. Os R$ 10,6 bilhões seriam capazes de cobrir por quase três vezes o rombo orçamentário de 2016. Seria possível, ainda, pagar três vezes a folha mensal do funcionalismo do Estado, que hoje sofre com escalonamentos e parcelamentos no pagamento.

Durante a delação, o ex-executivo Hilberto Mascarenhas disse que chegou a alertar o então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, de que os valores estavam muito altos. “Estava preocupado, muita gente participando das obras, e pressionei. Fui a Marcelo, várias vezes, e disse: não tem condição, US$ 730 milhões é bilhão de reais. Nem um mercado tem essa disponibilidade de dinheiro por fora e não tem como operar isso. É suicídio”, afirmou. Segundo ele, como resposta, Marcelo Odebrecht deu orientação de “segurar”.

Os valores bilionários da movimentação de propinas da Odebrecht são tão altos que superam até mesmo o Produto Interno Bruto (PIB) de 33 países – a maioria africanos, como a Libéria, com um PIB de 3,1 bilhões de dólares mesmo possuindo mais de quatro milhões de habitantes.

Antiga. Em delação, o ex-presidente da empresa Emílio Odebrecht afirmou que a troca de favores entre os políticos e as empresas é algo “institucionalizado” no país há décadas.

Muito dinheiro

“Fui a Marcelo Odebrecht e disse: não tem condição, US$ 730 milhões é bilhão de reais. Nem mercado tem essa disponibilidade de dinheiro por fora e não tem como operar isso. É suicídio.”
Hilberto Mascarenhas, ex-diretor da Odebrecht

“Estas empresas pagavam propina para abocanhar valores altos em grandes obras, o que criava um ciclo vicioso. É dinheiro público comprando acesso a mais dinheiro público.”
Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG