Audiência pública

Redução no ensino integral do Estado vai cortar 80 mil vagas

Secretária de Educação disse que programa será mantido em locais com maior vulnerabilidade

Por Ana Luiza Faria
Publicado em 10 de abril de 2019 | 14:02
 
 

O governo Romeu Zema (Novo) vai cortar cerca de 70% das vagas de ensino em tempo integral na rede pública. Com a medida, o número de alunos atendidos pelo programa na educação fundamental em Minas Gerais vai cair de cerca 111 mil estudantes para 30,6 mil. Apenas 500 unidades vão oferecer o programa – atualmente são 1.600.

A decisão do Estado de reduzir o ensino em tempo integral havia sido divulgada na edição de O TEMPO desta quarta-feira (10) e, de acordo com o governo, foi tomada em razão da falta de verbas, inclusive para custear a merenda dos estudantes. Na quarta-feira, a secretária de Educação, Julia Sant’Anna, apresentou o projeto aos deputados em audiência na Assembleia Legislativa. O início das aulas, adiado em mais de um mês, está previsto só para o dia 6 de maio.

“Manteremos (o ensino integral) onde há maior vulnerabilidade social, garantindo a merenda, suprimida desde o ano passado”, afirmou. A ideia do governo é manter o projeto em escolas onde a maior parte dos estudantes seja de famílias com renda de até um salário mínimo e meio.

A deputada estadual e presidente da Comissão de Educação da Casa, Beatriz Cerqueira (PT), criticou o governo e chamou a medida de “irresponsável”. “Quando o governo Zema vai descer do palanque? Ele precisa começar a governar. Reduzir de 1.600 escolas para 500, reduzir de 111 mil alunos para 30 mil atendidos é desconhecer a realidade da escola pública”, disse.

De acordo com a deputada, a escola em tempo integral cumpre um papel não só educacional, mas também social. “As pessoas precisam entrar nas escolas estaduais e compreender o que acontece lá dentro. Nós precisamos disputar aquela juventude, para ela não ir para o tráfico, não ir por caminhos cada vez mais fáceis. As crises econômicas levam a esses processos de assédio e de encaminhamentos para o crime organizado”, criticou.

Segundo a secretária de Educação, a reformulação da rede pública não será uma tarefa fácil, mas “será tratada com responsabilidade e profissionalismo”. “Vamos fazer com que essas escolas sejam referência, fazendo uma matriz integral efetiva. É com a entrega de resultados educacionais que a gente vai provar e mostrar que o aluno será muito respeitado”, declarou.

Ainda conforme Julia Sant’Anna, foi preciso uma revisão minuciosa nas contas da pasta para conseguir garantir o programa para essa parcela de alunos.

“Estamos com esforço muito grande para a organização de contratos. Houve a revisão de algumas despesas na pasta que foram polêmicas, e, a partir da revisão dessas despesas, a gente está conseguindo sustentar e garantir o fornecimento da merenda para os alunos do tempo integral. Aluno nesse governo não vai ficar sem merenda”.

Pais, professores e diretores protestam contra medida

O clima era de indignação entre os pais, alunos, professores e diretores das escolas estaduais que participaram da audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, na manhã desta quarta-feira, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Muitos pais alegaram que não estão podendo ir para o trabalho por não terem onde deixar os filhos, que antes ficavam na escola o dia inteiro.

A diarista Iolete Teixeira Ramalho representa um desses casos. Ela contou que, desde o início do ano, não está conseguindo trabalhar porque não tem com quem deixar a filha de 8 anos. “Minha vida está muito complicada, estou praticamente parada. Estou esperando que saia a vaga para minha filha em uma escola de tempo integral para que eu possa trabalhar. A previsão era sair em março, e nós já estamos em abril, e até agora nada. Estou lutando e reivindicando para que ela fique na escola integral. Eu preciso pagar conta, elas vencem todos os meses”, desabafou.

Iolete contou que o tempo integral também era muito importante para o aprendizado de sua filha. “Lá ela fazia balé, educação física, digitação. Era muito bom pra ela. E na escola que ela estudava nunca faltou merenda”, contou.

A diretora da Escola Estadual Presidente Costa e Silva, em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, Marília Sena Chagas Camargos, disse que veio participar da audiência pública para solicitar à secretária que os alunos da unidade que ela dirige “possam continuar tendo esse atendimento do tempo integral”. “É do conhecimento de todos que o Vale do Jequitinhonha é uma região muito pobre, e as nossas crianças necessitam muito desse momento. Não só para ajudar as famílias, para poderem trabalhar, mas também na formação deles mesmo”, disse.

A diretora contou que 2018 foi um ano difícil, mas que, em razão de uma parceria com as Irmãs Salesianas, ela conseguiu manter os serviços. Marília contou que, se fosse contar apenas com o dinheiro do Estado, a situação seria ainda pior. “Realmente, no ano passado nós tivemos um recurso mais restrito, mas, com essa parceria, nós conseguimos levar adiante”, afirmou.

Manifestação

Queixa. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) fará um ato contra a medida que será adotada, na manhã desta quinta-feira (11), na Cidade Administrativa de Minas Gerais.

Deputada defende que escola integral se torne lei estadual

A deputada estadual e presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia, Beatriz Cerqueira (PT), contou que, com a divulgação da medida, a ser adotada nas escolas de ensino fundamental integral, que diminuirá a abrangência do programa, vai organizar, com os parlamentares que são contra a redução, um projeto de lei para tornar o tempo integral obrigatório.

“Nós apresentaremos um projeto de lei de forma coletiva, com vários deputados assinando, para instituir a escola integral como lei estadual. Se nós formos pesquisar, nós temos um plano estadual de educação que determina metas para a escola de tempo integral, e isso não foi dito. Há resoluções do Ministério da Educação (MEC), há normas estaduais e nacionais que estabelecem a escola de tempo integral. O que nós não vamos aceitar é só discutir corte. Corte deveria ser discutido em outra comissão”, declarou a deputada.