Reginaldo Lopes

Deputado federal pelo PT-MG

Reginaldo Lopes

Por uma agenda desenvolvimentista

Publicado em: Ter, 18/02/20 - 03h00

Uma mentira perigosíssima contaminou uma parcela dos brasileiros: a de que a economia caminha bem, apesar do quão desastroso possa ser o governo de Jair Bolsonaro em todas as outras áreas.

A pergunta que fica é: a economia vai bem para quem? Para os pobres é que não é. Mas esse não é um governo para os pobres, como ficou nítido na fala que desnudou o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada.

Durante um seminário em Brasília, o ministro disse o seguinte ao defender o novo patamar do câmbio: “Todo mundo indo pra Disneylândia (antes da alta do dólar). Empregada doméstica indo pra Disneylândia. Uma festa danada”. Para ele, trabalhadoras domésticas deveriam ir para “Cachoeiro do Itapemirim, conhecer onde Roberto Carlos nasceu”.

Em primeiro lugar, é mentira. Estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV), entre 2011 e 2014, durante o boom de consumo das classes C e D, e quando o dólar girava em média a R$ 1,80, mostra que as prioridades dos brasileiros foram a compra de celulares, computadores e carros. Enquanto 38,4% dos brasileiros compraram telefones celulares com acesso à internet no período, apenas 2,1% entraram em aviões para viagens internacionais. Destes últimos, uma miserabilíssima fração representou as classes mais baixas.

E, em segundo lugar, a fala é abertamente preconceituosa. Mostra que o ministro Paulo Guedes espelha toda a vulgaridade, para usar uma palavra amena, do governo Bolsonaro. Mas vamos analisar tecnicamente essa questão do câmbio.

A escalada do dólar frente ao real se explica pela taxa Selic (os juros básicos da economia), que está em um patamar baixo. E isso, admitamos, é único ponto positivo que se extrai da atual política macroeconômica. Com o juro baixo, menos dólares especulativos entram no país e o câmbio busca se ajustar a nova realidade. Se de um lado poucos conseguem viajar ao exterior, de outro o governo economiza enormemente no pagamento dos juros da dívida.

O problema para o cidadão comum, e especialmente para os pobres, é que a queda dos juros não chega na ponta do tomador final, na compra financiada ou no cheque especial.

Há poucos anos, tivemos um governo que ousou brigar contra o oligopólio dos bancos por meio da iniciativa política de se reduzir as taxas de juros cobradas pelos bancos públicos, Banco do Brasil e Caixa. Agora, com a queda da Selic, cai o custo de captação para os bancos, mas mantém-se inalterados, ou quase, os juros do financiamento ao cidadão e às empresas. “Uma festa danada” para os banqueiros, em que nós todos dançamos do lado de fora.

Desde que não ameace a inflação, um câmbio que incentive as exportações nacionais e desacelere o consumo interno de produtos importados é algo positivo.

O Brasil já aprendeu que inflação alta mata e juros altos aleijam. Mas o dólar em elevado patamar deixa efeitos colaterais graves na política industrial, já que somos importadores de bens de capital e insumos na agricultura. Portanto, assim como existe meta de inflação, deveria ter também uma meta de câmbio, que encontre o equilíbrio na política de juros.

É urgente a adoção de uma agenda desenvolvimentista baseada numa política de crédito mais justa e, principalmente, na retomada das obras de infraestrutura. Mas trata-se de algo que o preconceito do ministro Paulo Guedes não lhe deixa ver.

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