Reginaldo Lopes

Verdadeiro extermínio

Não podemos naturalizar a morte de jovens negros e pobres

Por Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2019 | 03:00
 
 

“Deus, que cada pessoa que esteja aqui sempre viva bem, que não perca ninguém assim desse jeito”. Com essas palavras, Sofia, uma criança de 7 anos, se despediu do irmão Dyogo Xavier de Brito, 16, no seu enterro na semana passada no Rio de Janeiro. O menino foi morto com um tiro nas costas, dado por um policial, quando ia para o treino e levava, na mochila, um par de chuteiras. Em poucas horas, outras cinco famílias choraram as perdas de jovens para a violência na região metropolitana do Rio. Também foram mortos Gabriel Alves, Lucas Monteiro, Tiago Freitas, Henrico de Menezes e Margareth Teixeira.

Todos foram vítimas do modelo de segurança pública implementado no Brasil. Segundo o Mapa da Violência, sete jovens são assassinados por hora no Brasil – 80% deles são negros. Um verdadeiro extermínio que em três décadas executou 3 milhões de pessoas por causas externas. Infelizmente, a tendência é piorar, pois a política de confronto implementada pelo governador fluminense, Wilson Witzel, é a mesma defendida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para o país. Querem dar às polícias licença para matar indiscriminadamente.

Presidi uma CPI, na Câmara, que investigou o altíssimo número de mortes de jovens negros e pobres. A conclusão é que existe um racismo institucionalizado no país, que naturalizou assassinar o povo negro. A CPI apresentou um projeto para reverter a situação, o PL 2.438/2015 que institui o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens. 

O projeto traçou cinco metas: reduzir a um dígito o índice de homicídios a cada 100 mil habitantes; elucidar no mínimo 80% dos crimes contra a vida, pois atualmente se solucionam 8%, e apenas 3% chegam a condenações; zerar a letalidade policial, para deixarmos de ser o país onde a polícia mais mata no mundo; acabar com a mortalidade entre os policiais, considerando que são majoritariamente negros e pobres; garantir a implementação de programas sociais de reparação de danos nas áreas mais violentas.

Precisamos de uma política de segurança pública que priorize a vida – não a morte –, baseada na inteligência e na elucidação dos crimes contra a vida, além de uma polícia que não exista só para defender o patrimônio e seja regulada pelo uso progressivo da força. As operações que mataram o jovem Dyogo têm que ser proibidas para acabar com o mata-mata ocasionado pela política do confronto.

É possível partir dos dados que temos, pois não falta diagnóstico, mas vontade política. Sabe-se que as mortes ocorrem em faixas territoriais de 142 municípios brasileiros que concentram 90% dos assassinatos. Em Minas, as cidades com maiores incidências são: Governador Valadares, Betim, Ribeirão das Neves, Contagem, Santa Luzia, Araguari, Sabará, Juiz de Fora, Sete Lagoas e Ibirité. Essas localidades precisam de uma atenção especial, com políticas públicas de enfrentamento da violência. A presença do Estado deve ser com emprego, escola de tempo integral, postos de saúde e moradia digna. A presença da polícia seria a última opção, e não a única, como acontece hoje. Temos a obrigação de desnaturalizar as mortes dos nossos jovens negros e pobres. A juventude precisa viver, e o Brasil não pode esperar.