Embate

Renan e Cunha viram pedras no sapato do governo Dilma 

Para cientistas políticos, disputa pelo poder e arestas antigas geram duelo com caciques do PMDB

Por Humberto Siqueira
Publicado em 06 de junho de 2015 | 03:00
 
 

Desgastar o governo tem sido uma prática dos caciques peemedebistas Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes da Câmara e do Senado. Ambos têm criado dificuldades para Dilma e o PT, especialmente após as eleições de 2014. E é na disputa por poder que os cientistas políticos enxergam as razões para tanto esforço em sangrar um governo já metido em crises políticas e econômicas.

Segundo Renato Francisquini, doutor em ciência política pela USP e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desde o primeiro governo, Dilma já colecionava desgastes com o Congresso. “Talvez pela característica pessoal da presidente, que, diferentemente do Lula, não tem gosto pela política do cafezinho, por ser mais dura em algumas de suas convicções”.

Na avaliação de Otávio Dulci, cientista político e professor da PUC Minas, o embate se iniciou na campanha eleitoral, quando parte do PMDB não sustentou a aliança com o PT e apoiou o senador Aécio Neves. “Várias seções estaduais do PMDB ficaram com o PSDB, entre elas a do Rio de Janeiro. Um dos caciques do PMDB do Rio é o deputado Eduardo Cunha, que se declarou neutro na eleição presidencial. Já naquela época, articulava sua campanha para o comando da Câmara”.

O resultado da eleição para o Congresso apontou um crescimento do campo conservador. “Surgiu até o apelido bancada BBB (do boi, da bíblia e da bala). E um declínio do campo trabalhista ou social, a esquerda em sentido amplo. A liderança alcançada pelo deputado Cunha se dá, em parte, por conta desse deslocamento político e ideológico do eleitorado”, associa Otávio.

Pesou para agravar o atrito o fato de o PT ter atuado intensamente para tentar derrotar Cunha, que enfrentava Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela Câmara. À época, Cunha chegou a indicar que o PT atuou para incluir seu nome como investigado da operação Lava Jato. O objetivo seria desgastá-lo para a eleição.

“A partir daí a relação entrou numa espiral negativa que ora se intensifica, ora alivia. Mas se mantém em nível pior do que já foi antes da ascensão do deputado ao posto de representante de seus pares”, destaca Renato.

No Senado, o PT apoiou Renan. Mas este também se incomodou por ser investigado pela Lava Jato e por perder espaços no governo (por exemplo o Ministério do Turismo, cujo ministro exonerado, Vinicius Lages, era indicado por Renan).

Renato não acredita em diferenças ideológicas. “Exceto em momentos nos quais os interesses dos financiadores de campanha dos presidentes das duas Casas estão em jogo, não me parece que Renan e Cunha tenham preferências claras em relação às leis e políticas públicas”, esclarece.

“Ambos percebem que o momento de fragilidade do governo Dilma aumenta a possibilidade de construírem agendas alternativas. Isso faz com que, na prática, apesar de serem da base aliada, constituam a oposição mais perigosa para o governo desde que o PT chegou ao poder”, acrescenta Paulo Roberto Figueira Leal, doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

Correlação
Forças
. Se no Congresso PT e aliados estão em minoria, ainda comandam o governo e bases sindicais e sociais organizadas, o que impede um avanço maior dos novos adversários.

Chances de Lula podem fazer o PMDB se recompor com Dilma

O vai e vem do PMDB, ora mais perto, ora mais longe do governo, pode ser explicado pelo potencial do ex-presidente Lula na disputa de 2018. O fundador do partido é uma aposta para o partido tentar se manter no poder. Se aumentarem as chances de isso acontecer, o PMDB negociaria para viabilizar sua continuidade na base. “Ainda é cedo para afirmar que o PT não tem chances. E se a economia decolar nos anos finais do governo? Lula é, de longe, o político com maior identificação com as camadas populares (maioria do eleitorado) desde a redemocratização. Foi o único presidente após 1989 que terminou seu governo com índices de popularidade maiores do que aqueles que tinha ao iniciar seus mandatos”, lembra Paulo Roberto Figueira Leal, doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).