Política em Análise

A frustração com o próximo governo

Cenário econômico, bombas fiscais, orçamento capturado e disputas radicais tendem a tornar uma futura gestão muito difícil

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 04 de fevereiro de 2022 | 11:14
 
 

Vivendo o início de um conturbado ano eleitoral, o cidadão brasileiro olha para 2023 com a esperança de solução dos enormes problemas e contradições que vivenciamos nos tempos atuais no Brasil. Em nome dos fatos já colocados e das perspectivas para os próximos meses, é preciso dizer logo: muito provavelmente, o brasileiro vai se frustrar. Qualquer que seja o escolhido em outubro, em 2023 tem verdadeiras chances de decepcionar grandes parcelas de seus eleitores quando se deparar com o terrível cenário que o aguarda quando tomar posse.

As dificuldades de ordem política e econômica serão muito mais acentuadas do que as vividas até aqui. Com fundamentos econômicos deteriorados e efeitos de longo prazo da mortal pandemia que nos assola, o futuro governo terá, no campo fiscal, que lidar com bombas já armadas e que ainda serão produzidas no ano eleitoral para explodir apenas em 2023. No colo do próprio Bolsonaro, de Lula ou de qualquer nome da terceira via cairá o peso de um substantivo aumento da tarifa de energia - com o início do pagamento pelas operações das térmicas e subsídios no período pandêmico e  dos possíveis efeitos das medidas eleitoreiras que se discutem para reduzir artificialmente o preço dos combustíveis.

O aumento da conta de luz e o esgotamento dos mecanismos para tentar frear a alta dos combustíveis tendem a piorar a situação de milhões de vítimas da crise econômica instalada, que devem chegar a 2023 curvadas pelo peso da inflação acima da meta por dois anos seguidos, penduradas nos serviços de proteção ao crédito, em um país com alto índice de desemprego, indústria devastada  e economia estagnada.

Para enfrentar o problema, o futuro governo encontrará um orçamento esmagado pelo teto e pelo crescimento da dívida pública gerado pela alta dos juros. Com pouquíssima capacidade de investimento e capturado pelo Congresso. O controle da execução de verbas, obtido pelo Legislativo em meio aos momentos de fragilidade do atual governo, dificilmente será recuperado. O orçamento secreto, paralelo, não apenas reduzirá a capacidade de o governo injetar recursos seguindo uma política única de enfrentamento do problema, como tornará a articulação política uma tarefa ainda mais sofrível.

Já seria ruim no cenário atual de um Congresso dominado pelo centrão. No que virá, ainda mais conflagrado, vitaminado pelo impulso das candidaturas de Lula de um lado e de Bolsonaro de outro, será tarefa duplamente difícil. Eis aí uma constatação que se pode fazer qualquer que seja o vencedor: Bolsonaro e Lula vão eleger muitos deputados, que serão conduzidos sobretudo pela ideologia. A oposição será pesadíssima e implacável.

Não bastasse isso, haverá ainda a necessidade de aprendizado e convivência com problemas que serão trazidos pelas federações partidárias. Essas estruturas agirão em conjunto no Congresso, sob lideranças únicas, mas reunirão toda sorte de desavenças das disputas regionais de 2024. Como precisam estar juntas por quatro anos e verticalizadas, as federações tendem a ampliar as guerras políticas por candidaturas nas mais de 5.500 cidades brasileiras.

Num país dividido, como estava por exemplo após as eleições de 2014, não se deve esperar o tradicional período de lua de mel de seis meses, que permite que o governo articule sem sofrimento suas pautas no Senado. Sendo outro o eleito, que não Bolsonaro, também não há quem espere uma transição tranquila, colaborativa e organizada. Na melhor das hipóteses, será apenas pacífica no sentido mais básico da palavra: sem tentativa de ruptura.

Diante de tal cenário caótico, sem condições ideais de articular reformas e na urgência de investir sem dinheiro para isso, há grande chance de que o caminho escolhido seja novamente o mais fácil, principalmente quando não é ano eleitoral: aumento de impostos e mais sacrifícios à população. E aí se completará a frustração. Não digam que eu não avisei.