Política em Análise

A reforminha de Guedes

Fase inicial da proposta de mudança no sistema tributário é tímida, mas é um raro passo inicial no debate sobre o tema no Brasil.

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 22 de julho de 2020 | 09:54
 
 

Depois de meses falando que enviaria a proposta da reforma tributária “na semana que vem”, o governo enfim apresentou um esboço de debate sobre as mudanças no sistema tributário. Uma reforminha, é bom dizer, já que trata-se apenas de uma das quatro fases da ampla reforma tributária que precisa ser feita no Brasil. A análise inicial que pode ser feita é que é bom para começar o debate, mas o projeto veio menor do que o imaginado.

Há pontos positivos. O primeiro é o fato de termos alguma coisa em relação às intenções do governo na área. Até então, não tínhamos nada. Passamos anos discutindo reforma tributária sem que nada de concreto fosse de fato adiante. A proposta de unir PIS e Cofins é um passo na reforma. Para quem não tinha nada, é alguma coisa.

Também é importante enfatizar que qualquer simplificação, por menor que ela seja, é positiva para as empresas. Hoje, gasta-se muito para estruturar setores que garantem o pagamento de impostos. É mais caro justamente pois o sistema tributário brasileiro é complexo. Unir duas estruturas em uma, portanto, ajuda a reduzir essa complexidade.

Além do mais, deve-se realçar que, por começar pelo mais fácil, o governo tende a conseguir êxito na sua primeira batalha. Como a unificação de PIS e Cofins não depende de mudanças constitucionais, o quórum para aprovação é menor e a reforma tende a passar sem grandes sustos.

Mas há inúmeros problemas na estratégia e na proposta também. Primeiro pelo próprio fato de ser mais tímida do que textos que estão já no Congresso. Ao sugerir apenas a unificação de PIS e Cofins, sem discutir no primeiro momento os impostos sobre importação e exportação e os tributos estaduais, o governo desacelera o debate sobre as PECs já em discussão no Congresso e que são muito mais abrangentes. Há consensos maiores no Brasil do que apenas a unificação do PIS e da Cofins, e o governo está desperdiçando o esforço que foi feito em trazê-lo até aqui.

A unificação, como foi proposta, também preocupa muito o setor de serviços. Com uma alíquota elevada, alguns setores, como educação e turismo, por exemplo, temem ver um aumento da carga tributária forte. Isso tende a gerar alguma discussão.
Também é bom dizer que, ao fatiar a reforma, o governo torna mais cara sua aprovação. Vai ter que fazer quatro negociações, em vez de uma. É mais esforço de liberação de emendas e cargos, já que sabemos como o parlamento brasileiro funciona em algum grau.

Por fim, não tem como não dizer, e aí já avançando sobre as fases seguintes da reforma, que ela não toca no principal problema do sistema tributário brasileiro: a regressividade. Pobres pagam muito mais imposto do que os mais riscos, pois o Brasil tributa muito o setor de bens e serviços. A proposta de Guedes parece ampliar ainda mais essa pressão sobre bens e serviços, em linha contrária do que é feito por exemplo nos países da OCDE, organização que o país quer integrar. Sem discutir a redução dos impostos sobre consumo para transferir essa cobrança para renda e patrimônio, nenhuma reforma vai fazer com que o cidadão comum tenha a sensação de que paga menos imposto.