Ricardo Corrêa

Editor de Política de O TEMPO e escreve neste espaço diariamente

Política em Análise

A semana polêmica de Lula

Publicado em: Sex, 08/04/22 - 11h17

Nesta semana tivemos uma terça-feira recheada de declarações polêmicas e controvertidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Falas tão fora do habitual em uma campanha eleitoral que fizeram aliados e adversários se perguntarem se seria mesmo um erro tão grosseiro ou uma estratégia eleitoral do petista. As críticas ao consumo da classe média, a defesa aberta do direito ao aborto, a declaração de que Deus é petista e o incentivo de que aliados fossem pressionar deputados e seus familiares em casa mexeram com a semana, deram novo ânimo aos bolsonaristas e preocuparam aliados.

Surgiram então diversas hipóteses para o comportamento do ex-presidente. Entre os bolsonaristas, apesar da exploração ampla do episódio, houve quem questionasse se haveria alguma coisa que o petista, experiente em campanhas, estava vislumbrando que o núcleo do presidente não se atentou. Um dos que disse isso claramente foi o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Do lado dos petistas, da mesma forma, houve quem tentasse interpretar esses movimentos mais radicais. Uma das hipóteses é de que haveria um interesse de fazer acenos a uma militância mais à esquerda para contrapor o anúncio do PSB, nesta sexta-feira (8), de que o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, seria o vice na chapa. Como essa aliança representa um Lula mais pragmático e ao centro, haveria necessidade do aceno. Mesmo quem vê assim, acha um erro. Afinal, a militância de esquerda estará com Lula de qualquer forma.

A grande preocupação para o petista, que tentou ajustar algumas das falas nos dias seguintes, é o impacto que isso vai ter na batalha travada no campo dos eleitores cristãos, na classe média brasileira e no eleitor médio que define a eleição e move o pêndulo para a direita ou para a esquerda a cada disputa. As falas da terça-feira são desastrosas, qualquer que seja a análise feita atualmente.

Se não for uma estratégia profundamente equivocada, as falas do ex-presidente podem indicar uma confiança acima do normal. É como aquele time de futebol que, jogando tão bem ou se achando tão superior, às vezes relaxa e perde uma partida importante no campeonato. Ainda que haja reação no próximo jogo, aqueles pontos não são passíveis de recuperação.

Na campanha de hoje em dia, nada é esquecido. O eleitor comum, que não acompanha o noticiário e nem verá as outras entrevistas de Lula, será bombardeado pelo vídeo em que ele diz que “todos deveriam ter o direito de abortar” ou que “a classe média brasileira consome demais”. O presidente Jair Bolsonaro já explorou isso amplamente em sua live semanal na quinta-feira (7), e assim o fará até o fim da campanha.

Hoje, as pesquisas mostram Lula ainda solidificado na frente, enquanto Bolsonaro consome cada vez mais os votos da chamada “terceira via”, encostando no ex-presidente. Se as falas fora do tom tirarem um pouquinho da gordura do petista, os dois podem chegar ao primeiro turno próximos ou talvez empatados. Num jogo como esse, qualquer vírgula deve ser pensada e colocada. Não por acaso, Lula e Bolsonaro atualmente perdem votos quando falam e ganham quando se calam.

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